“Valeu a pena a luta pela independência nacional”, diz João de Zebedeu o mais novo de todos os presos políticos (c/vídeo)

25-04-2024 1:20

**Por Simão Rodrigues, da Inforpress**
Cidade da Praia, 25 Abr. (Inforpress) - João de Zebedeu, o mais novo de todos os presos políticos do Campo de Concentração do Tarrafal, detido pela PIDE com 17 anos, no assalto ao navio Perola do Oceano, considera que “valeu a pena” lutar pela independência nacional.

João Augusto Divo de Macedo, ou simplesmente João de Zebedeu, recorda com um misto de nostalgia e patriotismo o 19 de Agosto de 1970, quando num grupo de 11 militantes do PAIGC, liderado pelo “Chefe” José dos Reis Borges, assaltou o navio português Pérola do Oceano.

Uma tentativa frustrada de desviar a embarcação no alto mar que fazia a ligação Praia/Fogo/Brava para Dakar Senegal, com destino a Conacri, aliciado por promessas de uma luta armada em Cabo Verde contra o regime colonial português.

Hoje, com o estatuto de Combatente da Liberdade da Pátria, João de Zebedeu, um citadino de gema da capital cabo-verdiana, mas que passou a sua infância no Tarrafal de Santiago, onde vivia com o avô materno que o emprestou o cognome, guarda a “sete chaves” os documentos da PIDE, polícia política que abortou aquela que viria a tornar-se na “maior detenção do arquipélago”.

De uma assentada todos os “terroristas” directos foram detidos, em dois grupos separados, para além dos familiares e outros militantes do partido que lutavam pela independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.

De acordo com a “nota de culpa “do Tribunal Militar Territorial da época, os implicados foram julgados e condenados ao “Campo de Morte Lenta”, depois de uma passagem pela antiga Cadeia Civil da Praia, que se situava na Prainha.

Actualmente com 71 anos, João de Zebedeu recordou à Inforpress as peripécias deste assalto liderado pelo “Chefe” José dos Reis, que resultou na morte de um tripulante, quando, depois do navio zarpar rumo ao Fogo, o grupo de assaltantes que se fazia passar por meros passageiros fez uso da farda que levava escondida nas bagagens, para, munido de revólveres e outras armas, tentarem desviar o barco.

Foi acusado e condenado ao “Campo de Concentração do Tarrafal” por ter “prestado juramento de fidelidade ao “partido”, tendo sido sob a sua responsabilidade os procedimentos para a confecção de seis calças e cinco camisas, através de um alfaiate conhecido” e que tinha fornecido ao “Chefe” duas camisas camufladas das usadas pelo exército português.

João confirmou à Inforpress os meandros da “Nota de Culpa” em como teve a missão de “afiar, em ambos os lados quase a totalidade das facas utilizadas no assalto, e de ter comprado tubos de ferro galvanizado para o fabrico de cacetes, para além de ter adquirido bilhetes de passagens para o grupo”.

Zebedeu, segundo o plano do assalto elaborado em Assomada, ainda tinha a missão de impedir que o maquinista deixasse a casa de motor, incumbência prontamente cumprida.

O assalto ao “Pérola do Oceano”, pormenorizadamente detalhada, contudo, foi abortado pela PIDE no alto mar, depois do grupo dos 11 ter tomado o navio que culminou com a morte do tripulante Vasco Rodrigues, cuja causa da morte ainda hoje se encontra em dúvida se se tratou de homicídio ou suicídio, sendo certo que foi o mais novo de todos a dar o alerta “homem ao mar”,

Como o combustível não chegava para atingir Dakar, conta João Divo Macedo, a alternativa foi desviar o barco para escala no Porto Rincão para abastecimento em Assomada, tendo o mesmo sido incumbido a missão de ali desembarcar para, “levando consigo um revólver que havia sido utilizado no assalto, deslocar-se à terra.

“Como José não conseguia arrancar a moto, tomei a motorizada, fiz a ligação directa para adquirir o combustível”, enquanto o Chefe dirigia a cavalo”, explicou.

A PIDE, informada da ocorrência pelos militares, ao amanhecer, fortemente armada e numa rápida incursão, recuperou o navio tendo detido cinco dos 11 assaltantes, uma vez que os restantes elementos, que estavam em terra, ficaram escondidos em Boca Larga e Tabugal, no interior de Santa Catarina, (num vale) durante seis dias, acabando, entretanto, por se entregarem à justiça, em Cruz Grande.

Contrariamente às muitas versões, frustrações, marcadas por actos de choques, torturas, de entre outro “correctivos”, João de Zebedeu disse que apesar da sua jovialidade e da sua irreverência, no “Campo de Morte Lenta” não sentiu tantas crueldades e humilhações nas celas, como no julgamento militar.

Disse que nesse julgamento foram utilizadas todas as formas de torturas que obrigassem os réus a se pronunciarem.

O rapazito, que na operação “Pérola do Oceano” ganhou o “status” do “Sargento”, disse que ainda na prisão do Tarrafal os detidos continuaram as suas actividades políticas na clandestinidade, ouvindo os ensinamentos de Amílcar Cabral através das escutas da Rádio Conacri.

Da prisão do Tarrafal, disse que os presos políticos eram diferenciados dos do delito comum e que havia uma separação em relação aos presos políticos provenientes de Portugal, vítimas do fascismo e das ex-colónias.

Aproveitou a prisão para praticar actividade desportiva, recebia visita dos familiares, estudou, concluiu ali a quarta classe e praticou o artesanato para dali sair como artesão formado.

“Valeu a pena a luta”, disse João Macedo, por considerar que a independência nacional não tem preço, consciente que o grupo dos assaltantes deu um dos passos decisivos para que Cabo Verde, também, tornasse um país livre, independente e hoje democrático, “muito desenvolvido, mas onde ainda persiste o medo”.

Hoje passados 50 anos, recorda com uma certa nostalgia do 25 de Abril de 1974, quando “rebentou” a liberdade, mas que os presos ficaram impacientes como nunca dantes vistos, face à demora da libertação que só verificara no 1º de Maio, após a manifestação da população que arrombou o portão do campo.

Após a liberdade protagonizada pelo 25 de Abril foi trabalhar na Granja de São Filipe, primeiramente como vigilante, posteriormente como professor de artesanato, para depois tornar-se motorista, antes de ingressar na Polícia de Ordem Pública.

Refira-se que da Nota da Culpa de 1970, Arlindo dos Reis Borges, Luís Furtado Mendonça, Martinho Gomes Tavares, Alberto Sanches Semedo, Ananias Gomes Cabral, Sérgio dos Reis Furtado, António Pedro da Rosa, Joaquim Mendes Correia, Ivo Pereira, João Augusto Divo Macedo e Juvêncio da Veiga foram considerados os principais “terroristas”,
 Eugénio Borges Furtado e Pedro Rolando dos Reis Martins “Pedrinho” foram acusados como actores secundários.

 

SR/JMV
Inforpress/Fim

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