*** Por Marli Coutinho, da Agência Inforpress***
Assomada, 21 Mar (Inforpress) - Antonieta Tavares é mãe de Haifa Barros, uma adolescente de 14 anos, estudante do 8º ano do Ensino Básico Obrigatório (EBO), mas a sua vida tem sido de muita luta e de desafios constantes por ser “especial”.
No dia em que se assinala o Dia Internacional da Síndrome de Down, a Inforpress foi conhecer a história de mães e famílias que enfrentam os desafios da sociedade, do sistema educativo e driblam vários obstáculos, para que as suas crianças com Síndrome de Down possam desfrutar de todos os direitos que toda a criança tem.
Antonieta Tavares é professora de profissão, mãe de três filhos, e a sua segunda filha tem Síndrome de Down. Desde o nascimento, até então esta mãe contou que as suas vidas têm sido de “lutas constantes” para permitir que a Haifa esteja enquadrada no seio familiar, mas também no seio da sociedade, mesmo tendo as suas limitações.
Conforme explicou, logo no início, começaram às correrias ao hospital para consultas periódicas, depois os médicos diagnosticaram-na um problema no coração e na coluna cervical, mas também tinha perdas de sangue na circulação entre ventrículos e as aurículas, o que dificultava o seu crescimento e desenvolvimento, que foi melhorado com uma cirurgia após uma transferência para tratamentos no exterior.
Mas, os desafios não se resumem somente às consultas médicas, também na vivência e convivência na sociedade. Segundo esta mãe, a Haifa muitas vezes sofre de bullying, embora hoje, reconhece, a sociedade esteja um pouco mais diferente e vai aceitando melhor as crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE), mas que no início não foi fácil.
No quadro escolar, o contacto com o sistema de ensino iniciou desde muito cedo, tendo frequentado creche, depois o pré-escolar, um processo que, mesmo com as suas limitações, foi considerado “tranquilo”, tendo em conta a disponibilidade das monitoras e o apoio encontrado em casa.
Entretanto, as maiores dificuldades e o “sentimento de exclusão” começaram a surgir quando iniciou o 1º ano do EBO, onde o professor da filha foi claro, dizendo à mãe que não se encontrava à altura para trabalhar com a Haifa.
“Com isso, o delegado da Educação local sugeriu que mudássemos para a cidade da Praia, pois ali já havia a Sala de Recursos, o que facilitava e ajudava a Haifa nesta nova etapa da vida”, contou, sublinhando que viveram na Praia durante dois anos e com a abertura da Sala de Recursos no município de Santa Catarina voltaram à cidade natal.
Aos poucos Haifa foi se adaptando ao sistema, embora, com os anos as dificuldades foram aumentando, mas sempre dribladas com o apoio e a boa vontade dos professores, da família e da equipa de Santa Catarina.
Neste ano lectivo 2023/24 as coisas complicaram-se, pois, a mãe que estava acostumada a trabalhar no mesmo período com a filha para poder orientá-la e acompanhá-la de perto na escola e em casa, teve o seu pedido negado na mesma escola que a filha estuda e ela trabalha.
“Entrei em contacto com a direcção da Escola Técnica Grão-Duque Henri (ETGDH) com antecedência para lhes informar da situação, mas mesmo assim não aceitaram que trabalhasse no período de manhã”, disse essa mãe que diz ter de readaptar tudo e “descontrolar” a rotina da filha.
Devido a esta situação, que lamentou e muito, é “obrigada” ir à escola três vezes ao dia, pois tem de levar a Haifa às 08:00 para as aulas, e por beneficiar de um currículo específico, individual, ela não assiste todas as aulas na sala como as outras crianças, sendo que em algumas disciplinas ela assiste em outros espaços como na Biblioteca, no espaço de Inclusão, mas que ela não consegue controlar os horários, sozinha.
“É difícil para ela controlar o horário e sempre depende do apoio dos professores e dos profissionais dos espaços para se integrar”, salientou a mãe, reforçando que a situação piorou quando a Haifa foi diagnosticada com hipertensão pulmonar, o que exige um controle com medicamentos, mas para manter este horário não tem sido fácil e muito menos fazer o repouso, que é recomendado, o que acaba por deixar a filha mais agitada.
Ao deixar a filha na escola às 08:00, tem de apanhá-la às 12:30 e levá-la para casa, deixá-la na Sala de Recursos às 14:00, que coincide com o horário que ela tem de estar na ETGDH para dar aulas, e por chegar com alguns minutos de atraso, muitas vezes é lhe marcada falta, mas as faltas, disse, não a impede de trabalhar com os seus alunos mesmo assim, dando a sua aula normal.
Neste sentido, para que essas crianças com NEE possam ter os mesmos direitos que as outras crianças, primeiramente pede a presença de um professor acompanhante para essas crianças, justificando e reconhecendo que os 50 minutos de aula não são suficientes para um professor trabalhar com a turma inteira e dar atenção a uma criança com um ritmo “mais lento” de aprendizagem.
Igualmente, pede ao Governo que crie leis que protejam as famílias, pais e encarregados da educação com crianças com NEE, principalmente no que tange ao acompanhamento e a flexibilidade do horário.
Por ver a situação ficar cada vez mais difícil, chorando, diz que no próximo ano a filha já não vai beneficiar do curriculum, dependendo na maioria das vezes dos professores e da direcção da escola, estando a ponderar interromper o percurso escolar da filha, prevendo que o próximo ano será mais difícil. A título de exemplo, sustentou que este ano ainda não teve acesso à avaliação da filha referente ao 1º trimestre.
Mesmo com todos os “altos e baixos", disse que com o apoio e a boa vontade dos que sensibilizam com estas situações, a filha é “bastante autónoma”, consegue fazer a sua higiene pessoal, várias tarefas domésticas, dentro do seu quadro e ritmo, relembrando que o seu comportamento oscila mediante o seu estado de espírito e humor.
À semelhança de Haifa, o Lucas Rafael, de 17 anos, filho da Maria Carvalho, tem Síndrome de Down e passa pelas mesmas situações, pois, como disse essa mãe, o comportamento da sociedade é igual, na escola o sofrimento é idêntico para todos, ponderando também suspender o Lucas do sistema educativo.
A diferença entre o Lucas e a Haifa, conforme disse Maria Carvalho, é que o seu filho, apesar da sua condição, é uma criança saudável, porque não adoece muito e nem tem outros problemas, mas que na escola não tem o acompanhamento adequado por falta de professores para fazer o devido acompanhamento dessas crianças.
“Já houve dias em que encontrei o meu filho deitado na mesa e os outros alunos a trabalharem e ao questionar o professor este limitou-se a responder que não sabe trabalhar com o Lucas”, desabafou, acrescentando que o seu filho tem sido discriminado desde a creche.
É neste sentido que estas mães criaram a associação para reunir, apoiar todas as famílias com crianças com NEE e contam com o apoio da Equipa Multidisciplinar de Apoio à Educação Inclusiva (EMAEI).
A associação, segundo essas mães, permitiu-lhes ver que o município possui um número elevado de crianças com NEE e sensibilizam os pais a não esconderem os filhos e a sociedade a não fazer comentários “menos bons” que não ajudam em nada na integração e nem no desenvolvimento dessas crianças.
O Dia Mundial da Síndrome de Down, comemorado em 21 de Março, é uma data de conscientização global para celebrar a vida das pessoas com a síndrome e para garantir que elas tenham as mesmas liberdades e oportunidades que todas as pessoas. É oficialmente reconhecida pelas Nações Unidas desde 2012 e a data escolhida representa a triplicação (trissomia) do 21º cromossomo que causa a síndrome.
MC/JMV
Inforpress/Fim
Partilhar