
Lisboa, 24 Dez (Inforpress) - O investigador Fernando Jorge Cardoso considera que a situação na Guiné-Bissau está "leve-leve", ou seja estagnada, um mês após o golpe de Estado militar, mas a analista Ana Lúcia Sá salienta que a repressão é crescente.
O professor da Universidade Autónoma de Lisboa, em entrevista à Lusa, disse considerar o golpe de Estado militar de 26 de novembro "bem-sucedido", embora este seja um golpe "estranho", em que o Presidente deposto, Umaro Sissoco Embaló, tem tempo para dar entrevistas e sai "calmamente do país".
"Os militares mostraram-se unidos e, apesar da sociedade civil ter protestado, o executivo foi dissolvido - embora algumas figuras do mesmo estejam agora no novo regime transitório -, as urnas foram 'deitadas à rua' e invocaram-se vários pretextos para o golpe", contextualiza o docente universitário.
"Eu, sinceramente, acho que a situação é um pouco, como costumam dizer em São Tomé e Príncipe, 'leve-leve'. Ou seja, é uma situação que não anda para a frente nem anda para trás, antes pelo contrário".
O analista defende que, internamente, não há nenhuma força capaz de se opor aos militares que tomaram o poder, pelo menos aparentemente. Por outro lado, os principais financiadores e doadores da Guiné-Bissau - Portugal e a União Europeia -, apesar de terem condenado o sucedido, não aplicaram sanções.
Já a professora universitária do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, em entrevista à Lusa, realça que a situação piorou em termos de repressão e violência e está cada vez "mais asfixiante".
"Foi brutalmente espancado um militante do Movimento para Alternância Democrática (Madem G-15) por ter feito um 'post' no Facebook a dizer que apoia qualquer decisão democrática e não golpes. Foram também brutalmente espancados dois funcionários da Liga Guineense dos Direitos Humanos e o clima está a ser cada vez mais asfixiante", alerta.
Para a investigadora, não há dúvida de que o Presidente deposto "continua a governar à distância", mantendo influência direta sobre o atual executivo, um fenómeno que considera "sem paralelo em golpes anteriores no país", que tem um histórico de golpes e de tentativas.
Por seu turno, Fernando Jorge Cardoso considera que existe uma forte probabilidade de a influência de Sissoco se diluir ao longo do tempo e que quem está "na cadeira passe a gostar da mesma", impedindo-o assim de regressar às funções presidenciais.
Relativamente à reação internacional, Ana Lúcia Sá lamenta que não estejam a ser aplicadas sanções a indivíduos - como acontece, por exemplo, no Sudão - e que não esteja a ser possível garantir a libertação dos "sequestrados políticos", nomeadamente o presidente do histórico PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), Domingos Simões Pereira.
Já Fernando Jorge Cardoso explica que a Guiné-Bissau não tem "peso desestabilizador", por isso tem sido apenas suspensa de organizações internacionais.
"Condenaram o golpe de Estado, foi suspensa das organizações internacionais a que pertencia, mas, por exemplo, não foi objeto de nenhuma decisão do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas", alerta.
Especificamente sobre Portugal, defende que a cautela pode estar relacionada com o evitar penalizar diretamente a população, dado o impacto que teria suspender projetos no terreno.
Por seu turno, Ana Lúcia Sá realça que falta a Portugal um debate profundo sobre o seu papel histórico e sobre como encara as ex-colónias, o que se reflete na resposta atual a esta situação.
Outro ponto que divide estes analistas é a mudança de sistema político para um regime presidencialista.
Fernando Jorge Cardoso considera "patético um regime semi-presidencial num país marcado por conflitos entre Presidente, primeiro-ministro e parlamento" e vê numa alegada futura revisão constitucional para um sistema presidencialista um possível legado positivo deste golpe.
Ana Lúcia Sá argumenta que, se essa revisão ocorrer, representará "uma vitória para Sissoco", que já ambicionava esta mudança, embora saliente que apenas o parlamento - dissolvido em dezembro de 2023 - tem legitimidade para o fazer.
Quanto ao quadro futuro, ambos concordam que, possivelmente, dentro de um ano se irão realizar eleições.
As eleições gerais, presidenciais e legislativas, de 23 de novembro tinham decorrido sem incidentes, mas, a 26, na véspera da divulgação dos resultados oficiais, um tiroteio em Bissau antecedeu a tomada do poder pelo Alto Comando Militar, que nomeou o Presidente de transição, o general Horta Inta-A.
O general anunciou que o período de transição terá a duração máxima de um ano e nomeou como primeiro-ministro e ministro das Finanças Ilídio Vieira Té, antigo ministro de Embaló. Um novo Governo de transição foi, entretanto, empossado, com nomes do executivo deposto e cinco militares entre os 23 ministros e cinco secretários de Estado.
Inforpress/Lusa
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