*** Jaime Rodrigues, da Inforpress***
São Filipe, 06 Jan (Inforpress) - A tradição dos reinados na ilha do Fogo, profundamente enraizada na cultura local, comemora este ano os 172 anos da sua institucionalização graças à tenacidade e determinação de duas confrarias.
A tradição genuinamente foguense foi institucionalizada em 1853 pelo bispo Dom Frei Patrício Xavier de Moura, que definiu 06 de Janeiro e 02 de Fevereiro como datas de saída e regresso, respectivamente. A data da partida vigora ainda hoje e de regresso é variável e acontece na quarta-feira de Cinzas.
Antes da definição das datas, um documento mais antigo sobre Reinado é de 1842 (23 de Dezembro) em que o então bispo eleito de Cabo Verde Dom João Henrique Moniz, residente na ilha da Brava reagia a um pedido do administrador do Concelho do Fogo relacionado com a recusa do Pároco em obedecer uma ordem porque a Irmandade funcionava sem compromisso, Estatutos e Mesa.
A institucionalização ocorreu há quase dois séculos, mas a tradição é bem mais antiga segundo informações ligadas à Igreja Católica.
Uma passagem da carta do Bispo Dom João Henrique Moniz diz que “de remotos tempos a esta parte existem na ilha do Fogo esta devoção chamada dos Reinados, que consiste em sair todos os anos em época determinada ao peditório, quatro eleitos escolhido, e fiéis; com quatro painéis de santos da maior devoção daquele povo, precedendo missa cantada”.
Na carta lê-se que “esses dirigem-se não a todas as casas indistintamente, mas sim àquelas que têm por costume antigo recebê-los, e nelas se demoram a fazer jus a sua esmola mais avultada e depois de percorrerem as casas do costume, voltam à igreja, e são recebidos com decência, cantando outra missa”.
“Depois passam estes quatro devotos chamados Reinados a apresentar, e dar conta de tudo quanto receberam em dinheiro, algodão e tabaco com toda a fidelidade, o vigário que toma conta de tudo, recebe o produto das esmolas, o lança em um Livro de Receita e Despesa para dar satisfação ao público, e constar, em que se aplicavam tais rendimentos como tem sido prática seguido há imensos anos”, sublinha a carta.
Da leitura destes documentos se depreende de que o reinado é uma das tradições culturais mais antigas da ilha e está ligado à Igreja Católica, que noutros tempos, cedia a imagem dos Santos que no final era devolvida. Tinham regras rígidas e seguiam itinerários definidos com começo na Igreja Matriz.
Admite-se que o reinado esteja ligado às comemorações da festa dos Reis em Portugal (06 de Janeiro) ou a “Reisado”, denominação erudita atribuída aos grupos que cantavam e dançavam na véspera e dia dos Reis em Portugal.
O reinado era constituído por grupos de homens (três ou mais), católicos e praticantes, que andavam por toda a ilha, durante três luas, a rezar terços e pedindo ajuda a favor da Igreja. Algumas pessoas acreditavam que o objectivo maior era o da evangelização e por isso todos os integrantes teriam de ser católicos, baptizados/crismados, casados e escolhidos pelo padre.
No seu auge um total de 24 confrarias de reinados constituídos por um “rei” que dirige e controla tudo, um rei interino, um tesoureiro e um ou mais participantes, percorriam a ilha de lés a lés com partida na Igreja Matriz de São Filipe após a celebração de uma missa.
O terço e “ladainha” na maioria das vezes era rezado em latim e além da imagem do (a) Santo (a), o reinado, dispõe de um pequeno tambor para anunciar a sua chegada, um sino e o rosário, utilizados durante o terço.
A tradição tem enfraquecido devido à idade avançada dos participantes (reis e devotos) e só à resistência e firmeza de alguns o reinado continua ainda vivo.
Este ano, o rei José António Freire de Andrade, conhecido como Alfredinho, acompanhado do seu filho, e a dupla Nené di Bebeto e Lourenço, vão fazer o percurso, ambos com a imagem de Nossa Senhora da Graça, em um itinerário que preserva a essência dessa celebração secular para mantê-la viva.
JR/ZS
Inforpress/Fim
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