Música de intervenção com caminhos diferentes em Cabo Verde e Moçambique - artistas

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Música de intervenção com caminhos diferentes em Cabo Verde e Moçambique - artistas
30/11/25 - 12:31 pm

Lisboa, 30 Nov (Inforpress) - A música de intervenção seguiu caminhos distintos em Cabo Verde e em Moçambique, enquanto num centrou-se em figuras contra a repressão, no outro ficou ligado à Frelimo e a grupos dinamizadores, declararam as artistas Élida Almeida e Selma Uamusse.

A cantora cabo-verdiana Élida Almeida destacou, em declarações à agência Lusa, que "a música teve um papel muito forte na luta pela independência", funcionando como meio de comunicação entre o povo cabo-verdiano, que mandava "mensagens codificadas de forma que os colonizadores não percebessem o que eles queriam dizer".

Segundo Élida Almeida, esta resistência cultural manifestou-se sobretudo através de géneros como o Funaná, mistura entre instrumentos trazidos pelos portugueses, como o acordeão e os ferrinhos, e a herança rítmica africana.

"Tentaram banir mesmo tudo que era percussão, tudo que vinha de África", sublinhou.

Outros géneros, como a Tabanca e o Batuco, também tiveram um papel importante na "luta silenciosa" de Cabo Verde, na qual grupos musicais usaram a voz para fortalecer o espírito de liberdade.

"As coisas, as histórias que ouço contar de grandes grupos de música que na altura usaram a voz deles, a música deles para gritar, para pôr um stop, para engrandecer ainda mais a luta", acrescentou a artista. 

Questionada sobre se existe censura na expressão musical nos dias de hoje, a artista cabo-verdiana acredita que ainda existe, mas "de uma forma diferente".

"São censuras de teres menos palco, de teres mais portas fechadas, de seres conotada automaticamente a um corpo partidário só porque tu mostraste um descontentamento sobre um assunto x que não está tão bem e que achas que poderia ser diferente", salientou, referindo que são estas "as formas que hoje em dia são visíveis no que toca a censura".

"A nossa arma é diferente e a música é uma delas", afirmou Élida Almeida.

Em Moçambique, a história da canção de intervenção é particular, pois a produção musical durante a luta de libertação não se centrou em figuras notáveis, mas sim em colectivos organizados ligados ao próprio movimento que conquistou a independência, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo).

"Não existem nomes que sejam, se calhar, aquela referência como foi (...) Zeca Afonso [Portugal] ou Carlos Schwarz [Guiné-Bissau]", afirmou a cantora de origens moçambicanas Selma Uamusse, ressaltando que o motor criativo residia nos "grupos dinamizadores", que tinham metas sociais amplas como o combate à fome e à educação em Moçambique.

A música, produzida por estes grupos, incluindo a participação de colectivos femininos dedicados à emancipação das mulheres, funcionava como instrumento de transformação social, de mobilização e de "descolonização mental da população moçambicana".

"A música era obviamente um instrumento, mas que passava muito pelas noções de pessoas para combater quer a fome, quer a falta de alfabetização da população em Moçambique", salientou Selma Uamusse.

Esta ligação histórica entre música de intervenção e Frelimo cria hoje um dilema para os artistas.

Segundo a artista, que acompanha a cena a partir da diáspora, existe a percepção de que contestar a actualidade política pode soar a desrespeito pela herança do movimento de libertação.

"Sinto que as pessoas (...) são mais cautelosas em relação àquilo que exprimem quando estão a contestar aquilo que é o sistema vigente", afirmou, apontando a dependência de cargos e empregos como factor que aprofunda a autocensura. Assim, a crítica política directa desloca-se para temas sociais.

A nova vaga de música de intervenção em Moçambique encontra força no 'rap', onde artistas como Azagaia (1984-2023) denunciam desigualdades, corrupção e injustiças.

Para Uamusse, hoje "qualquer canção que fale sobre a pobreza, sobre a condição das raparigas em Moçambique" já é uma forma de protesto. 

Artistas como Zaida Chongo abriram caminho ao reivindicar o papel da mulher na sociedade, ampliando o campo de contestação.

Enquanto Cabo Verde consolidou uma tradição de resistência através de géneros identitários e de vozes marcantes, Moçambique continua, segundo Selma Uamusse, “a construir a sua identidade” no domínio da música de protesto.

Em ambos os países, porém, a música mantém-se como espelho das lutas contemporâneas, seja contra desigualdades persistentes, seja pela liberdade plena de expressão cultural.

Inforpress/Lusa

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