REPORTAGEM / Mulheres Rurais: entre a terra, o mar e o sonho de um futuro melhor

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REPORTAGEM / Mulheres Rurais: entre a terra, o mar e o sonho de um futuro melhor
15/10/25 - 03:00 am

Assomada, 15 Out (Inforpress) – No interior da ilha de Santiago, a vida de muitas mulheres rurais é marcada por trabalho árduo, resistência e uma esperança que não se apaga, mesmo diante das dificuldades.

Neste Dia Internacional da Mulher Rural, a Inforpress foi conhecer histórias de mulheres de alguns municípios de Santiago Norte, que com os pés firmes e o coração forte, sustentam famílias, comunidades e tradições.

Entre elas estão Maria Lucy, de Ribeira da Barca, Arcelina da Costa, de Flamengos, e Irlene Varela, de Trás-os-Montes (Tarrafal), três gerações unidas pela força da terra e pela vontade de vencer. 

Com 53 anos e mãe de seis filhos, Maria Lucy carrega uma história de sacrifício e superação, tendo desde muito cedo vivido da apanha de areia no mar, uma actividade desgastante que, durante décadas, sustentou muitas famílias da localidade de Ribeira da Barca, em Santa Catarina.

“Eu ia para o mar todos os dias, mesmo com o sol forte. Tinha de trabalhar para dar de comer aos meus filhos”, recorda com emoção.

Contou que com o tempo, a extração de areia no mar foi sendo proibida, viu-se obrigada a procurar alternativas e passou então a trabalhar na extração de areia e brita nas ribeiras da sua localidade, e enfrentar o peso das pedras e o cansaço do corpo.

Hoje, com os filhos já adultos, sente as consequências físicas de anos de esforço.

“Vieram as dores no corpo, as doenças... Agora já não consigo fazer o que fazia antes”, confessa.

Actualmente, vive com a ajuda dos filhos que emigraram e da pensão que recebe do Estado e ainda assim, fala com orgulho.

Em Flamengos, no município São Miguel, reside Arcelina da Costa, mulher de trabalho e de fé que vive da agricultura e da criação de gado, dividindo o tempo entre o campo, animais e as tarefas domésticas.

“Trabalho na terra, também já trabalhei nas obras, quando apareciam serviço em Assomada”, conta.

O marido, por sua vez, vive de biscates na construção civil, mas apesar das dificuldades, Arcelina não espera por apoios.

A água, como em tantas comunidades rurais, é um desafio constante, sendo obrigadas a ir busca-la nas poças ou então comprar nos bombeiros, “o que é mais um sacrifício a mais porque nem todos têm condições de o fazer”. 

Mãe dedicada, diz que não pensa em emigrar pois não quer sair do país, porque não tem com quem deixar os filhos, sublinhando que “aqui é duro, mas é a minha vida”. 

As remessas enviadas por familiares na diáspora ajudam a equilibrar as contas e a garantir o sustento da casa.

De Trás-os-Montes, no município do Tarrafal, chega a voz da jovem rural Irlene Varela, de 23 anos, que cresceu entre a agricultura e a criação de gado, num contexto em que o trabalho dependia directamente da chuva.

Segundo contou, quando a terra não produzia, ajudava a mãe a recolher lenha nas ladeiras e a fazer carvão para vender, uma estratégia de sobrevivência que, apesar das dificuldades, contribuiu para moldar o seu carácter e determinação. 

Hoje, Irlene vive na cidade da Praia, onde fez o seu curso, trabalha e já constituiu família.

No entanto, apesar de ter deixado o campo, nunca perdeu a ligação às suas origens, onde aprendeu na infância o valor do trabalho árduo, da resiliência e da solidariedade familiar que continuam a guiá-la na vida quotidiana.

Olhar para a sua terra natal desperta-lhe sentimentos de tristeza, com muitas aldeias a envelhecerem e a emigração esvaziar a comunidade, deixando os mais velhos a lutar sozinhos contra as dificuldades da agricultura.

Irlene recorda com saudade os tempos em que ajudava a mãe, daqueles esforços que a alimentaram, física e emocionalmente, e que hoje a tornam quem é, e mesmo distante, sente que a luta das mulheres rurais continua a ser invisível.

“As pessoas que ficaram lá sentem-se abandonadas. Não há trabalho, não há apoio. Vivem do que a terra dá — quando dá”, pensa Irlene, consciente de que a realidade das zonas rurais ainda carece de atenção e investimento.

As histórias de Maria Lucy, Arcelinda e Irlene espelham a realidade de milhares de mulheres cabo-verdianas que vivem no meio rural “invisível, mas essenciais”.

DV/MC/JMV

Inforpress/Fim

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