REPORTAGEM: “A minha oficina é um laboratório para formação de bons engenheiros sem precisar de canudo” - Tinenê (c/vídeo))

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REPORTAGEM: “A minha oficina é um laboratório para formação de bons engenheiros sem precisar de canudo” - Tinenê (c/vídeo))
31/10/25 - 02:51 am

Mindelo, 31 Out (Inforpress) – O inventor Tinenê, conhecido em São Vicente pelas suas habilidades em resolver problemas de forma prática e criativa, disse que a sua oficina é um laboratório para formar “bons engenheiros sem precisar de canudo”.

Foi com estas palavras que Ângelo Augusto Alves, popularmente conhecido como Tinenê, 75 anos, abriu as portas da sua oficina à Inforpress para contar a história deste empreendimento que criou há 27 anos e baptizou em homenagem ao seu antigo professor, Padre Filipe Pereira.

Criada inicialmente na casa da mãe e, mais tarde, construída com recursos próprios na zona de Chã de Cemitério, foi nessa oficina que Tinenê formou centenas de jovens e fez invenções revolucionárias, como a máquina que tritura garrafas de vidro, transformando-as em areia ou pó.

A primeira versão da máquina foi produzida em 2006 para triturar as garrafas usadas pelos militares da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), aquando do Exercício Steadfast Jaguar, em São Vicente, e alguns exemplares da mesma foram vendidos para países como São Tomé e Príncipe.

Impulsionado pelo desejo de criar soluções através da experimentação e da prática, em vez da educação formal, Tinenê considera que a sua oficina tem capacidade para receber “uma turma de universitários, seja qual for”, e transformá-los em engenheiros “capazes de bater de frente com franceses, alemães ou ingleses”.
“Mas, infelizmente, os governos não aceitam nada disso. Eles exigem um canudo, mas esse canudo não presta, porque não é ele que os vai ensinar. É a minha mente”, criticou Tinenê, que trabalhou como marinheiro na Noruega, onde se destacou na área da Metalomecânica, mesmo sem formação académica.

“Tudo o que faço vem da minha inteligência e experiência. Quando há um problema que exige realmente uma decisão certa, eu analiso-o muito bem e aquilo fica na minha mente. A solução vem quando estou a dormir”, explicou o inventor, para quem é durante o sono que surge a “luz criativa” que depois executa ao acordar para solucionar os problemas.

Segundo Tinenê, esta visão que recebe durante o sono não é por acaso, pois considera que “tudo o que sai da mente de um ser humano, sejam informações boas ou más, são ondas de energia que nunca mais se perdem”.

“As boas informações são ondas magnéticas que circulam no planeta. Mas, evidentemente, vão cair no radar de quem está preocupado em solucionar problemas”, elucidou, acrescentando que aprendeu as suas habilidades “em vidas passadas” e “domina 28 profissões”.

Para ele, a vinda dos homens para o planeta Terra tem um propósito. 

Por isso, defendeu que as pessoas têm de estar “bem aprumadas e com bons pensamentos” para evitar que “porcarias lhes ataquem o espírito”.

A criação da sua oficina, adiantou Tinenê, teve o intuito de contribuir para o desenvolvimento do país, apesar de, no início, não ter encontrado um ambiente político agradável.

“Vim da Noruega para São Vicente porque queria participar realmente na criação do meu país. Mas, quando cheguei, não foi nada agradável porque encontrei um sistema comunista”, lembrou.

A mesma fonte revelou que, ao chegar a São Vicente, se ofereceu para ensinar arte naval moderna, mas a Capitania dos Portos recusou, alegando que “o partido tinha todos os formadores necessários”.

Tinenê disse que não se arrepende de ter contribuído para derrubar o partido único em Cabo Verde, acto que lhe conferiu o estatuto de ‘persona non grata’ pela governação de então.

Por causa disso, revelou que, ainda em 1980, quando teve a ideia de criar a sua escola profissional, o Governo negou ceder-lhe um terreno e privilegiou estrangeiros.

Como alternativa, começou a trabalhar com a Cooperação Francesa e, depois, com a frota cubana de pesca que chegou a São Vicente. Foi assim que conseguiu dinheiro para comprar o terreno em Chã de Cemitério, onde construiu a oficina com ajuda da família.

“De 2000 até 2009 começámos a dar formações a crianças em situação de rua, a quem oferecíamos o pequeno-almoço e o almoço. Depois, com a nova mudança política, o novo Governo já não nos ajudava com esses meninos. Fomos aguentando uns seis, sete meses e parámos” pormenorizou.

Nessa altura, Tinenê disse ter concebido sozinho um programa de formação profissional intensivo, “100% crioulo e adaptado à realidade cabo-verdiana”, passando a trabalhar junto com o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), com o qual chegou a criar o Programa Soldado Cidadão.

Disse que a escola produzia equipamentos durante as formações, que eram vendidos para comprar outros materiais necessários. 

Mas que, depois, acrescentou, esse modelo foi deitado por terra porque copiaram fórmulas estrangeiras para implementar em Cabo Verde.

“Copiaram as exigências que Portugal fazia às escolas de formação. Foi a pior asneira que fizeram, porque éramos a única escola de formação em São Vicente e não existia nenhuma do seu estilo em Cabo Verde”, afirmou Tinenê, referindo que, no seu método, a parte prática começa no primeiro dia da formação.

Para este inventor, exigir salão com computadores e directores são “estapafúrdias que não ajudam em nada na formação desses garotos”.

Explicou que, na sua escola, oferece serviços de assistência naval e formações na área de metalomecânica que englobam soldagem, pintura, desenho técnico, tornearia mecânica e cálculo para execução de peças, entre outras vertentes.

Considerou ainda que a decisão de copiar modelos estrangeiros prejudicou São Vicente e Cabo Verde.

“Onde é que vão encontrar um Tinenê para colocar esse programa de formação profissional a funcionar? Se houvesse outro em Cabo Verde, ele já se teria manifestado. Como é que a indústria vai aparecer sem ninguém formar e treinar os jovens”, questionou, argumentando que “há uma necessidade enorme de formação profissional em Cabo Verde, mas adequada à realidade local”.

CD/AA

Inforpress/Fim

 

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