Mindelo, 04 Jul (Inforpress) - Dois dos antigos activistas que participaram na luta pela Zona Libertada, na Ribeira Bote, pedem reconhecimento aos que defenderam o povo dentro do país, antes da independência, “contra os abusos” da antiga polícia portuguesa.
“O desrespeito” da Polícia Internacional da Defesa do Estado (PIDE), segundo Manuel Cruz e Manuel dos Santos, era constante e havia quem ajudasse, e outros cabo-verdianos revoltados com o sistema.
“Como é possível termos muita gente reconhecida como herói nacional e a receber subsídio do Estado, sendo que antes da independência eram pessoas que tínhamos muito cuidado em falar à frente delas por serem tidos com “bufos” [informantes] da PIDE”, começou por questionar Manuel dos Santos, conhecido popularmente como Futxe, que pediu apoio aos colegas que foram perseguidos pelo sistema dentro do país.
Manuel Eduardo da Cruz, por seu lado, conhecido como Tinaia, do Alto Mira-Mar, tem hoje 70 anos, e Futxe, de 73 anos, nasceu e cresceu na Ribeira Bote.
Foram os primeiros convocados pelo PAIGC, em 1975, para as Forças Armadas, já eram nomes visados pela PIDE, sendo que também nos anos anteriores recusaram jurar à bandeira portuguesa.
Os dois “combatentes” pela Zona Libertada, amigos desde criança, garantem que antes da independência as desavenças com a polícia portuguesa eram constantes, dado “os abusos” que sofriam e as “injustiças presenciadas”.
No entanto, a revolta de Tinaia foi acrescida após a morte do irmão a “queima roupa”, pela polícia, em frente ao antigo porto da capitania.
“Estávamos numa manifestação em frente à capitania e a polícia estava à nossa frente a empurrar-nos, depois resolveram atirar. Corri pelo lado da Praça Estrela e meu irmão, Daniel Eduardo da Cruz, pelo lado da Shell, e depois avisaram-me que tinha sido alvejado”, recordou Tinaia.
Com a morte do irmão recorda que a comoção foi geral na ilha, em especial dos jovens que estavam descontentes com o rumo do país.
Na altura, os grupos de jovens da ilha organizavam-se para praticar lutas, impulsionados pelos filmes de revolucionários, e Ribeira Bote, também inspirado pelo cinema, já era denominada de Zona Libertada por ter sido palco de um comício e de tertúlias políticas.
A luta pela Zona Libertada de Setembro de 1974, segundo Futxe, começou depois de ouvirem que uma brigada da tropa portuguesa queria entrar na Ribeira Bote.
“O barco chegou carregado de militares portugueses e depois de três dias manifestaram interesse em entrar na chamada Zona Libertada, porque não poderia haver uma zona libertada num país onde não houve guerra armada”, contou Futxe.
Acrescentou que a mensagem foi passada a todos os grupos da ilha, que se juntaram para ir defender a Ribeira Bote.
Além de pedras, garrafas e paus, que faziam parte do “armamento” dos jovens, Futxe, hoje reformado como capitão das Forças Armadas, lembra que foi atrás de materiais para produzir o chamado “cocktail molotov”, confundido com granada pelo opositor durante o confronto.
Criaram barricadas para impedir a progressão dos carros, as luzes foram apagadas pelo grupo, já que a tomada da Ribeira Bote seria à noite.
Marcaram encontro para as 19:00 horas e, às 21:00, o oponente apareceu e os pontos fulcrais foram nas entradas da Ribeira Bote.
No breu da noite o único sinal para distinguirem o companheiro do oponente era o assobio.
“Escorraçamos dois carros, depois tentaram entrar atrás da igreja protestante da zona, foram escorraçados a pedrada, quebramos um autocarro também que estavam e fugiram pelos lados de Cruz João Évora”, detalhou Futxe, que frisou ainda que os jovens seguiam o comando de Alcides Lima, ou “Tchida do Mindelense”, antiga tropa especial em Moçambique.
A luta durou pouco mais de duas horas e os dois dias restantes, contou Futxe, foram para preparar para uma possível retaliação das autoridades portuguesas, o que nunca aconteceu.
Os invólucros foram recolhidos para servir de prova como descumprimento, da tropa portuguesa, do acordo de cessar fogo assinado no mês anterior, em Agosto de 1974, entre Portugal e o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).
SN/AA
Inforpress/Fim
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