Embaixador Global da ONU admite que "sistema falhou" para pessoas com deficiência

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Embaixador Global da ONU admite que "sistema falhou" para pessoas com deficiência
04/12/25 - 07:40 am

Nações Unidas, 04 Dez (Inforpress) - O embaixador global da ONU para pessoas com deficiência em situações de conflito, Giles Duley, encerrou hoje omandato com o sentimento de missão "falhada", admitindo que a realidade para os cidadãos que representa "não mudou".

Numa conferência de imprensa em Nova Iorque, a propósito do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, que se assinala hoje, o fotógrafo Giles Duley afirmou que as pessoas mais vulneráveis e marginalizadas nas comunidades continuam a ficar para trás em momentos de crise.

"Este é meu último dia. Foi um cargo de três anos como embaixador global, mas preciso de dizer que sinto que falhei e sinto que o sistema falhou", disse.

"A realidade no terreno para as pessoas com deficiência não mudou. As pessoas vulneráveis e marginalizadas nas comunidades são as que ficam para trás em momentos de crise. Então, sinto que falhei na minha posição aqui. Sinto que consegui muito pouco", explicou.

Duley foi designado como o primeiro embaixador global da ONU para pessoas com deficiência em situações de conflito em dezembro de 2022.

Nascido em Londres, Duley é fotógrafo, escritor e fundador da 'Legacy of War Foundation', uma organização que apoia a reconstrução de vidas após conflitos. 

Em 2011, enquanto trabalhava no Afeganistão, Duley foi gravemente ferido por um explosivo improvisado. Como resultado dos ferimentos, é triplamente amputado. Em 2012, regressou ao Afeganistão para continuar o seu trabalho como fotógrafo. 

Passando grande parte da vida na linha da frente de conflitos, Giles Duley partilhou hoje com os jornalistas algumas das situações que ilustram as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência em cenários de guerra.

O fotógrafo relatou a história de um menino de Gaza, que perdeu uma perna quando um atirador israelita o atingiu, ainda antes da guerra iniciada em 2023 entre Israel e o grupo Hamas.

"Ele voltou para Gaza traumatizado pela experiência, sentindo-se marginalizado por todos os lados, e literalmente escondeu-se no apartamento dos pais. Não queria sair de casa por ter perdido uma perna, pois sentia que as pessoas o julgariam", contou, explicando que o menino ficou confinado no apartamento por dois anos, até que o fotógrafo o conseguiu finalmente convencer a sair de casa.

A última mensagem que recebeu da família desse menino foi em 07 de outubro de 2023, quando começou a guerra.

"As pessoas com deficiência, em qualquer crise, são as mais vulneráveis. Então, nessa situação específica, as pessoas que moram nos andares superiores dos prédios, quando a eletricidade acaba, não conseguem sair. Quando os avisos são feitos por som, as pessoas surdas não os ouvem. Quando as pessoas estão em cadeiras de rodas e há escombros nas ruas, perdem toda a acessibilidade. Não sei o que aconteceu com aquela família. As últimas mensagens que recebi foram: ‘como podemos escapar’?", disse.

A segunda história compartilhada aconteceu no Chade, há dois anos, quando Duley visitou refugiados sudaneses que haviam fugido do Darfur.

Lá conheceu uma professora que usava uma cadeira de rodas motorizada e que era um membro muito ativo da sua comunidade. No entanto, num ataque à sua aldeia, a cadeira de rodas foi destruída e teve de rastejar para se proteger.

"Quando a conheci, ela estava numa tenda, sem cadeira de rodas. Nenhuma agência havia fornecido uma cadeira de rodas. (...) A questão é que essa mulher incrível, que havia vivido uma vida muito independente, agora tinha que rastejar, literalmente, para usar a casa de banho. Além de humilhante, isso tornou-a incrivelmente vulnerável à violência sexual e outros tipos de ataques. Isso é um fracasso", assumiu.

A terceira história aconteceu na Ucrânia, onde a mãe de uma jovem ucraniana com paralisia cerebral foi raptada pelas forças russas. 

"A jovem tem paralisia cerebral, não consegue comunicar, está acamada e precisa de apoio integral 24 horas por dia. (...) A mãe repetia: 'Preciso de voltar para casa porque a minha filha não consegue alimentar-se sozinha'", disse.

Quando a mãe finalmente foi libertada após ser torturada, encontrou a filha nua na cama, coberta por embalagens de doces, com os soldados a rirem-se.

"Desde então, os dentes caíram, o cabelo caiu porque ela não consegue comunicar o que aconteceu. Mas, internamente, o stress deixou-a fisicamente doente. Essa é a realidade para pessoas com deficiência que vivem em situações de conflito. Não podemos abandonar essas pessoas. Não podemos esquecê-las", apelou.

Segundo a ONU, cerca de 1,3 mil milhões de pessoas sofrem de alguma deficiência significativa. Isso representa 16% da população mundial, ou uma em cada seis pessoas.

"Nos meus três anos no cargo, nunca consegui uma reunião com o representante do Reino Unido na ONU. Tentamos, repetidas vezes, marcar reuniões. Tentamos partilhar essas histórias. E, repetidamente, a porta permaneceu fechada. Então, qual era o propósito do meu papel aqui", questionou.

"Sinceramente, não sei. Porque eu tenho as histórias. Tenho a experiência. Queria ser um defensor. Mas, como as portas permanecem fechadas, não consigo cumprir o meu papel", lamentou.

Inforpress/Lusa

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