***Por Luís Carvalho, da Inforpress***
Cidade da Praia, 15 Mar (Inforpress) – Bitory Nha Bibinha, conhecido pela forma como executa o funaná, além de ser pedreiro, funcionário aposentado, hoje é famoso pela qualidade de kankan (rapé) que vende, atraindo clientes de várias idades, mas especialista desaconselha o consumo.
Quem o visita em sua casa em Achadinha, Praia, além de se deparar com uma colecção de gaitas, que o tornaram famoso pela sua mestria na execução do funaná, um género musical típico do interior de Santiago, que desceu à cidade para se espalhar por todo Cabo Verde, ainda pode assistir ao vaivém de pessoas, entre jovens e adultos, que o procuram para comprar o seu “famoso” kankan (tabaco moído).
Em conversa com a Inforpress, Bitory Nha Bibinha, do seu nome de baptismo Victor Tavares, 86 anos de idade, não esconde a sua satisfação pelo facto de o negócio do tabaco ter sido rentável, constituindo uma “boa fonte de rendimento” para o seu orçamento doméstico.
Ele próprio começou a inspirar o kankan desde os seus 13 anos de idade, na localidade de Cabeça de Horta, freguesia de Nossa Senhora da Luz, concelho de São Domingos.
“Comecei a cheirar o kankan aos 13 anos de idade, por causa do sangue que me saía pelo nariz”, explicou Bitory, acrescentando que desde que iniciou a inalar o tabaco, nunca mais o sangue lhe correu pelas narinas.
Muito cedo deixou a sua localidade no interior de Santiago para residir em Achada de Santo António, mais concretamente na zona do Brasil. Mais tarde, construiu a sua casa em Achadinha, de onde, diz, só sai “directamente para o cemitério”.
Apesar de alguma distância que separa os dois bairros, quando a vontade de cheirar “uma pitada de kankan” lhe apertava, não tinha outra solução senão deslocar-se à Achada à procura do tabaco.
Depois de tantos anos a cheirar tornou-se um “especialista” em conhecer a qualidade do louro que produz um bom tabaco.
“Saía da minha casa, em Achadinha, para comprar o tabaco em Achada de Santo António. Às vezes, quando compro, sinto que é ‘fédi’ [de má qualidade], adquiro dez escudos para despistar e ao acertar com tabaco sábi [de boa qualidade], deito fora a primeira compra”, revelou o entrevistado da Inforpress.
Às tantas, indicou, vendo que a comercialização do kankan podia ser um negócio rentável, começou a comprar o louro para fazer o seu próprio tabaco e vender aos interessados.
Com o aumento do custo de vida, o louro também ficou mais caro. Agora, um palmo (22 cm), conforme Bitory, custa entre 700 e 800 escudos e, por isso, passou a vender uma colher de chá [daquelas pequenas] de tabaco moído por 20 escudos.
“Tenho clientes que vêm de diferentes pontos da Praia, entre jovens e adultos, porque têm a garantia que o meu tabaco é de qualidade. Se não tiver qualidade, não consumo e nem vendo para as pessoas”, avisou.
“Muitos dos meus clientes são jovens. Em vez de fumarem aquela coisa [droga] preferem o tabaco, que é mais barato e menos prejudicial à saúde”, revelou, adiantando que muitos chegam do estrangeiro para comprarem o seu tabaco, que já se tornou tão famoso como o seu funaná.
Sente-se um pouco vaidoso pela boa fama do seu tabaco.
Os seus fornecedores de louro são de proveniências diversificadas, nomeadamente Palha Carga de Engenho (Santa Catarina), Porto Madeira, concelho de Santa Cruz, e dos Picos (São Salvador do Mundo).
Durante muito tempo, Bitory moía o tabaco à mão, num pequeno pilão, o que, frisou, exigia algum esforço. Agora, o processo é mais rápido porque passou a utilizar um moedor eléctrico que transforma o louro num pó “muito mais fino do que quando era utilizado o pilão”.
“A máquina trabalha com a energia eléctrica, mas não há problema porque consegue dar dinheiro para pagar a luz”, adiantou Bitory.
Como já se sentia cansado, decidiu ensinar à esposa como lidar com a arte de fazer kankan e, hoje, sublinhou, “ela consegue superar-me” no fabrico do tabaco.
Antes, punha o louro exposto ao sol para secar, mas levava alguns dias. Para tornar o processo mais rápido, passou a utilizar uma frigideira grande, que coloca ao lume num fogão a gás.
“Gasta-se gás, mas compensa”, admite o entrevistado da Inforpress.
Enquanto “especialista” do tabaco, ao passar o louro pelo nariz consegue ver a qualidade do produto.
“O que é ‘fédi’ (que não presta) consigo ver. Às vezes, a minha mulher tira um pedaço do louro e passa-o numa frigideira e, depois de moído, consegue-se ver a qualidade do louro”, esclarece, acrescentando que não compra o louro de má qualidade.
Na sua opinião, o kankan é melhor que o cigarro. “Fui para S. Tomé e Príncipe, onde o cigarro era oferecido gratuitamente, mas não adquiri este vício. Sempre preferi o meu kankan”.
“Não brinco com o meu kankan. Para onde vou é juntamente com o meu tabaqueiro”, frisou Bitory Nha Bibinha.
A partir das oito horas da noite fecha a venda do tabaco, “por causa do caçu body [ataques dos bandidos]”.
José António Moniz de Barros é um outro apreciador do kankan.
“O tabaco do Bitory é bom de mais. Quando estou gripado, cheiro o kankan e fico logo curado. Três vezes por semana compro tabaco. Compro 40 escudos de tabaco, que me dão para um mês, se cheirar sozinho.
Celestino Mendes é também um dos clientes do Bitory Nha Bibinha, que não deixa faltar o kankan no seu tabaqueiro.
“Gosto do tabaco do Bitory. É muito famoso na Praia. Encontramos muitos jovens à procura do kankan deste homem. Há um ano e poucos meses que comecei a cheirar, por influência dos amigos”, confessou Celestino Mendes que por duas vezes se desloca à casa do Bitory para fazer o seu “stock”.
Entre o kankan e o cigarro, prefere o primeiro, porque acha ser melhor, embora tenha consciência que nenhum é bom para a saúde.
“Dizem que nenhum é bom para a saúde, mas prefiro o meu tabaco”, apontou Celestino Mendes.
Para a pneumologista Ofélia Monteiro, o uso do rapé, que é usado por via inalatória, através do nariz, pode ter vários efeitos adversos ao sistema humano, provocando a formação da mucosa nasal e, quando o uso é prolongado, leva à dependência.
“As folhas do tabaco, a partir das quais o rapé é processado, têm uma substância que causa dependência, que é a nicotina”, esclareceu a especialista, adiantando que o consumo do tabaco moído pode também ocasionar “situações oncológicas a nível da mucosa nasal ou da orofaringe.
A médica especialista recomenda no sentido de os usuários do rapé evitarem o seu consumo, porque o mesmo tem efeitos nocivos para a saúde.
“Muitas vezes as pessoas acabam por usar o tabaco inalado porque pensam que alivia os sintomas, quando sofrem, por exemplo, de uma doença como a sinusite”, exemplificou a pneumologista, para quem corre-se o risco de haver duas situações complicadas: “A pessoa não trata a doença de base, porque não está a usar a medicação indicada para esta situação e está a usar uma substância nociva e que leva à dependência”.
O uso de chicha, sobretudo por jovens, segundo a médica, constitui, neste momento, uma “preocupação maior”, uma vez que as autoridades de saúde não conseguem controlar o seu consumo e nem se sabe o que as pessoas utilizam.
“Vários estudos [sobre o uso de chicha] têm apontado para efeitos extremamente nocivos a nível do consumo desta substância”, indicou a pneumologista, que recomenda no sentido de se evitar o uso de qualquer forma de tabaco.
Relativamente à prevalência do uso do tabaco inalado, disse que o último estudo realizado, em 2021, sobre factores de riscos para doenças não transmissíveis não revelou o aumento de consumo desta forma do tabaco.
A especialista, citando o inquérito de há quatro anos, aponta que o consumo geral do tabaco ronda os 9,6% (por cento), representando o kankan cerca de 3,6%.
Nas pessoas idosas, ou seja, a partir dos 60 anos, o consumo desta forma do tabaco (kankan) representa aproximadamente 14%, de acordo com a pneumologista.
Na perspectiva da médica, é preciso investigar para saber se há ou não aumento do consumo do tabaco inspirado e “criar medidas para a sua redução”.
LC/ZS
Inforpress/Fim
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