Independência/50 Anos: Carlos Veiga diz-se “muito orgulhoso” do percurso de Cabo Verde (c/vídeo)

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Independência/50 Anos: Carlos Veiga diz-se “muito orgulhoso” do percurso de Cabo Verde (c/vídeo)
21/07/25 - 03:00 am

*** Por Luís Carvalho, da Agência Inforpress ***

Cidade da Praia, 21 Jul (Inforpress)- O antigo primeiro-ministro Carlos Veiga diz-se “muito orgulhoso” do que o País conseguiu durante os 50 anos da sua independência em relação à antiga potência colonizadora, Portugal, mas que os cabo-verdianos devem ter a ambição de almejar mais.

“Cabo Verde mudou radicalmente. Quem se lembra do que era a Cidade da Praia, para não dizer mais? Quem a vê hoje, ou mesmo o Mindelo, e a situação económica em 1975, e mesmo até há uns anos mais? Pergunta o antigo chefe do governo, para depois dizer que “absolutamente não há comparação”. 

Carlos Veiga fez estas considerações em entrevista à Inforpress, a propósito dos 50 anos da independência nacional.

Relativamente ao desenvolvimento de Cabo Verde nas últimas cinco décadas, afirma que “todos nós queremos mais, porque quando se consegue, nós devemos ter a ambição de ir cada vez mais”. 

Entretanto, não se considera completamente satisfeito, porque, aponta, “ainda temos pobreza, dificuldades na prestação de muitos serviços públicos, electricidade, abastecimento de água, etc., etc.”.

No sector da saúde, acha que o que está a faltar, de facto, é especialização e termos médicos cabo-verdianos , para evitar o envio de  pessoas para tratamento no  estrangeiro “porque esta  situação não é nada boa”, lamenta o homem considerado o rosto da democracia em Cabo Verde.

“Dá-se alojamento às pessoas e o apoio, mas não é a mesma coisa. Você fala com eles [doentes evacuados] e vê-se que se sentem muito isolados”, queixou-se Carlos Veiga.

Em seu entender, a família “é uma coisa muito forte”, pelo que um paciente com a família ao lado é muito diferente daquele que não a tem.

Defende que o país precisa de levar o sector da saúde a um outro patamar.

Na sua perspectiva, Cabo Verde necessita de um “grande hospital”, com capacidade para especialidades para que, de facto, a saúde responda às “necessidades legítimas” dos cidadãos.

Não tem dúvida de que valeu a pena a independência de Cabo Verde. Ao discutir este assunto com alguns amigos, estes lhe têm dito que, se calhar, era melhor o país ficar como Madeira ou Açores, ou seja, arquipélagos adjacentes, propostas essas que ele tem refutado.

“Não há hipótese. Quer dizer, nós somos independentes porque já éramos uma nação antes de sermos um Estado”, indicou, defendendo que para Cabo Verde “só a independência é que servia”.

Na sua opinião, “podemos ter a melhor relação do mundo com Portugal, mas nós somos cabo-verdianos”.

Lembra que ele e outros colegas, quando foram estudar em Portugal, tiveram acesso ao livro “A Aventura Crioula”, do português Manuel Ferreira, que ainda não estava disponível em Cabo Verde, “que é como dizer que Cabo Verde é uma nação”.

“Cabo Verde tem uma cultura, uma língua e tem tudo para ser um Estado independente”, frisou Carlos Veiga, para quem no arquipélago existe uma sociedade “bem coesa”, em que as ilhas são diferentes, naturalmente, “mas não no essencial”. 

Quando se proclamou a independência de Cabo Verde, se encontrava na Cidade da Praia, pois chegou ao País em Janeiro do mesmo ano, depois de ter sido libertado da tropa, onde estava a cumprir o serviço militar obrigatório.

Em 1990, deu-se a abertura política. Todavia, entende que isto poderia ter acontecido “muito mais cedo”.

“Houve a oportunidade de haver eleições com mais do que um partido”, apontou Carlos Veiga, que reconheceu que, na altura, quem, de facto, lutou e levou o espírito de independência de Cabo Verde e Guiné foi o PAIGC.

Se na altura houvesse eleições com a participação de outras forças políticas, advoga, o PAIGC “ganharia sempre”. 

“O meu irmão [José Tomaz Veiga] estava dentro da organização do PAIGC e, portanto, ele dizia: ‘nós éramos muito fraquinhos’”.

“Portanto, foi um trabalho feito já depois da independência da Guiné, que se começou a apostar em Cabo Verde e a luta política aqui ganhou algum dinamismo”, pontuou Veiga.

Segundo ele, quando se deu o 25 de Abril, no arquipélago,  o PAIGC era uma organização “muito fraca”, mas foi investindo, inclusive, as primeiras armas foram desembarcadas clandestinamente em Cabo Verde e guardadas num armazém pertencente a Carlos Veiga (Tio), em Praia Baixo.

Quanto à democracia cabo-verdiana, salientou que “não é perfeita”, mas que é uma “democracia estabilizada”, o que não quer dizer, acrescentou, “que não tenhamos que defendê-la”.

“Democracia não é eterna, ou pode não ser eterna, nós temos sempre que defendê-la e estamos a ver pelo mundo todo como é que a democracia está a sofrer grandes ataques, designadamente na questão dos extremismos que aparecem”, indicou, concluindo que Cabo Verde pode também ser vítima disso.

“Até aqui, eu acho que devemos estar orgulhosos da nossa democracia, não no sentido de que ela está boa e é a melhor do que todas, ainda tem muitas maleitas, mudou as coisas no País que começou a desenvolver-se mais”, considerou o antigo chefe do governo.

“(…) De ano para ano, as coisas vão correndo, mas não nos devemos conformar e devemos continuar a lutar para aperfeiçoar a nossa Constituição e o nosso sistema político”, sugeriu Veiga, alertando que “não podemos dormir sob a sombra da bananeira”.

Carlos Veiga desempenhou altas funções na primeira República, nomeadamente a de Procurador-Geral da República, também foi eleito deputado na lista única do PAICV e, no entanto, mais tarde tornou-se uma voz crítica do regime.

Instado sobre as razões que o levaram a passar a ser crítico do sistema de então, explica:

“Os primeiros cinco anos de independência foram bons, correram bem, quer dizer, para o estado em que Portugal tinha deixado Cabo Verde. Mas, a partir desses cinco anos começou a haver algumas coisas que não agradaram aos cabo-verdianos, quer dizer, uma actuação mais violenta, um cercear ainda maior das liberdades, problemas por causa da autorização de saída, problemas por causa da prisão de pessoas aparentemente normais, e tudo isso acabou por cansar os cabo-verdianos”.

A partir de 1980, indicou Veiga, foi se desenvolvendo um sentimento de opressão e os cabo-verdianos começaram a pensar que lhes tinha sido prometido a democracia e a liberdade, mas, afinal, “estavam oprimidos”.

Para ele, em 1991, o PAICV caiu, muito pelo trabalho do recém-criado Movimento para a Democracia (MpD), mas sobretudo porque a população estava pronta para uma alternativa, “já não queria milícias populares, tribunais populares e polícia política”. 

Acrescenta que os cabo-verdianos acreditaram que o MpD iria desmontar toda a infraestrutura política desses “órgãos de opressão”.

A caminhada do MpD rumo à vitória foi fácil, realçou o primeiro presidente do MpD, porque o PAICV lhes deu pouca importância.

“Nós fizemos aquilo que entendíamos fazer, fomos entregar ao Presidente Aristides Pereira [já falecido] a nossa declaração de princípios, com as assinaturas, ele agradeceu-nos e disse que, pelo menos, havia uma reação à abertura, portanto, que eles tinham proposto, mas nós fomos para o terreno sozinhos”, revelou.

Perguntado se o PAICV teria dormido à sombra da bananeira, disse que sim. “Dormiu, mas dormiu. Só acordou em Setembro e desde Março estivemos sozinhos no terreno. Verificámos isso”. 

A primeira sondagem feita dava ao MpD maioria qualificada, mas não acreditaram e, em Dezembro,  o segundo estudo de opinião confirmou que o resultado mais provável seria o que a primeira sondagem havia indicado.

As reformas económicas introduzidas pelos governos do MpD na década de 90, de acordo com Carlos Veiga, contribuíram nitidamente para o desenvolvimento do país, com destaque para as privatizações ocorridas nesta época.

O acordo cambial que Cabo Verde celebrou com a União Europeia, por intermédio de Portugal, foi, segundo o antigo primeiro-ministro, uma das coisas que ajudaram bastante no desenvolvimento do país.

“Desde aquela altura até hoje, o escudo nunca teve choques que levassem a uma sobrevalorização ou uma descida da sua valorização”, pontuou Carlos Veiga, um homem que não se considera reformado da política.

“Acho que cada um tem o seu tempo e é preciso renovar”, concluiu, deixando a possibilidade de dar a sua contribuição sempre que for chamado para o efeito.

LC/JMV

Inforpress/Fim

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