Lisboa, 02 Nov (Inforpress) - O presidente da Associação Cultural Moinho da Juventude, Jakilson Pereira, pediu fim das zonas sensíveis urbanas, conceito para caracterizar alguns bairros da periferia do Porto e Lisboa, conceito que tem resultado em “frutos negativos” à comunidade.
Jakilson Pereira considerou que a morte do cabo-verdiano Odair Moniz, depois de ser baleado por um agente da Polícia de Segurança Pública (PSP), na madrugada do dia 21 de Novembro, no bairro da Cova da Moura, Amadora, veio relembrar essa questão das zonas sensíveis urbanas, um conceito que nasceu em 2006, com um dos critérios a ter em conta ser a “composição étnico-social” dos bairros em causa, segundo as autoridades.
“Pedimos fim das zonas urbanas sensíveis, porque este rótulo tem mostrado frutos bastante negativos, por isso, é preciso analisar e criar novas políticas públicas das quais os cidadãos racializados que nascem nestas zonas não só não devem ter outra relação com a polícia, mas também que sintam que o investimento que o Estado está a fazer nessa geração, vale a pena”, disse.
De acordo com Jakilson Pereira, isso foi uma proposta que levou no encontro que o governo português teve na última semana com as associações dos bairros onde ocorreram os desacatos depois da morte do Odair Moniz e depois de uma manifestação a pedir justiça ao cabo-verdiano que levou milhares de pessoas à Avenida da Liberdade.
Para o líder da associação que completou 40 anos esta sexta-feira, 01, em um bairro e município onde residem milhares de cabo-verdianos, a morte de Odair foi uma fatalidade e um tipo de “comportamento reprovável de certos agentes”, lembrando que o Moinho da Juventude já anda a alertar há cerca de 10 anos sobre a “infiltragem” nas forças de segurança pela extrema-direita.
Em 2011, quando a polícia agrediu vários moradores da Cova da Moura e invadiram estabelecimentos comerciais aqui no bairro, Jakilson contou que a Associação Moinho da Juventude tentou reunir ambas as partes, sem sucesso, porque “as forças policiais não estavam interessadas, já tinham traçado outras linhas e outras prioridades”.
“Com a morte de Odair, houve uma revolta daquilo que nós chamamos de geração 2000, que é uma geração que, ao contrário da geração 90 ou 80 [século passado], que apesar de ter algum conflito com a polícia e questão do racismo, lidou diferente com algumas ilegitimidades de algumas acções”, explicou.
Jakilson Pereira reflectiu que algumas leis e decretos sobre as zonas urbanas sensíveis permitem que os polícias actuem em determinados bairros de forma violenta, através da criação de um conjunto de excepcionalidade.
“Mas esse rótulo das zonas urbanas sensíveis não só permitiu a violência policial, como também permitiu a desqualificação das escolas à volta do bairro, tornando o sistema de ensino bastante profissionalizante, em que a taxa de retenção é elevada, sem um investimento na escola para um percurso normal, ou mesmo um percurso escolar dual, mas com qualidade”, frisou.
Para ele, essa qualidade que se perdeu tem tirado a inspiração à nova geração, que tem percebido que vão ter um futuro pior que os pais, sem esquecer a forma como a instituição PSP, que supostamente deve proteger o cidadão, apresentou as suas versões sobre a morte de Odair Moniz, que acabou por ser desmentido pelo próprio agente que disparou, como a questão do carro roubado ou faca na mão e chamada de assistência tardia.
“Isto revoltou não só com a Cova da Moura e Zambujal, onde residia o Odair, mas vários bairros periféricos onde há pessoas racializadas que sentiram que as suas vidas estavam em perigo, sentiram que tinham que sair à rua”, sentenciou.
O cabo-verdiano Odair Moniz, de 43 anos, pai de três filhos e cozinheiro de profissão, morreu depois de ter sido atingido a tiros pela PSP, no Bairro da Cova da Moura, situação que gerou uma onda de contestação, pedindo justiça, durante várias noites e em diferentes bairros na Área Metropolitana de Lisboa, com autocarros, automóveis e contentores de lixo incendiados.
DR/ZS
Inforpress/Fim
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