Independência/50 Anos: Pedro Gregório - o pioneiro da arquitectura cabo-verdiana que projectou espaços confortáveis em época de parcos recursos (c/vídeo)

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Independência/50 Anos: Pedro Gregório - o pioneiro da arquitectura cabo-verdiana que projectou espaços confortáveis em época de parcos recursos (c/vídeo)
06/10/25 - 01:30 am

Cidade da Praia, 06 Out (Inforpress) – Pedro Gregório, tido como o primeiro arquitecto cabo-verdiano licenciado após a independência, diz que optou sempre por criar espaços que servissem a população de forma confortável, mesmo tendo trabalhado numa área praticamente inexistente e numa época de parcos recursos.

Em entrevista à Inforpress, no âmbito dos 50 anos da independência de Cabo Verde contou que conseguiu singrar nesta profissão após ser contemplado com uma bolsa de estudos ainda no tempo do liceu em São Vicente por causa de uma cópia de estatueta que tinha feito do escritor português, Alexandre Herculano e devido também ao facto de continuar a ser o aluno que costumava ser.

“Isto era no tempo do governador Roçadas. Ele assistiu um dia à exposição anual de desenhos e escultura que era feita no Liceu Gil Eanes em São Vicente e manifestou o interesse por conhecer a pessoa que tinha feito a estatueta. Então o reitor do liceu na época, Baltasar Lopes apresentou-me a ele. Eu então perguntei-lhe, gostou? Ele disse-me que sim”.

“Eu disse então: ofereço-lhe esta estatueta”, continuou, acrescentando que foi então na sequência da abertura do novo ano lectivo que foi anunciado que poderia obter uma bolsa de estudos para estudar em Portugal.

E foi assim que obteve a sua bolsa, tendo afirmado que o gosto pela arquitectura se manifestou fundamentalmente no estudo da História da Arte, com o professor António Aurélio Gonçalves, Nhô Roque, quando estudava a arquitectura e a escultura da Grécia.

Entretanto, lembrou que muito mais tarde, quando faleceu o seu pai, ao mexer nas coisas num baú que ele tinha trazido do Brasil, onde tinha sido emigrante, encontrou os desenhos de plantas de casas tradicionais cabo-verdianas, que ele próprio, Pedro Gregório, havia rabiscado “inexplicavelmente” todas a escalas. 

“Verifiquei, estavam a escala um e cento. Nessa altura, quando fiz os desenhos, eu devia ter meus 13 a 14 anos. Eu, efectivamente, não tinha consciência do que era a escala, ou desenhar a escala. Mas estavam a escala. Logo, suponha que já tinha pelo menos a semente da arquitectura em mim como propósito ou vontade de ser”, recordou.

Segundo disse, ninguém da sua família tinha seguido esta área, sendo que apenas alguns tinham alguma tendência para o desenho.

Para este primeiro arquitecto de Cabo Verde independente, trabalhar numa área praticamente inexistente no país na época foi difícil, tendo em conta que, justificou, não havia termo de comparação, ou seja, não havia elementos para conversa e muito menos para troca de opiniões.

Sublinhou que na arquitectura optou sempre por criar espaços que servissem à população com ambientes onde se devia sentir-se bem e confortável. Porque no seu entender, em épocas de muita limitação económica, como era o caso de Cabo Verde na época da independência, e até agora, não há lugar para as extravagâncias.

“Há mais um ambiente para a utilização parcimonial dos recursos. O que alguns chamam quase uma pobreza espiritual.  É claro que alguns podem ver a maneira como eu trabalhei de uma maneira despida de interesse. Eu entendo que é a maneira, talvez, de corresponder às necessidades reais da população.

“E a aceitação não propriamente da população, mas da administração, da maneira de actuar é difícil. Às vezes o sistema pretende algo que chame a atenção para se sentir reafirmado. E se alguém apresenta algo que não alimenta este fogo, corre o risco de ser um bocadinho marginalizado”, acrescentou.

Às novas gerações de arquitectos cabo-verdianos aconselhou-os a analisarem com calma e profundidade a arquitectura tradicional do país, buscando entender as razões e contextos que levaram à sua forma actual.

Questionado se considera que o seu legado está a ser preservado e valorizado pelas instituições e sociedade, disse não se preocupar com legado.

“Eu não sei se eu tenho legado. Eu apenas contribuí com aquilo que era possível, ou foi possível durante o tempo de vida que estou por aqui e enquanto estava na profissão. Mas não me preocupo se é legado ou se não é legado. Se o respeitam ou não, não me parece”, respondeu.

Na sua perspectiva, os cabo-verdianos têm como “grande defeito” a valorização do que é dos outros, e não do que é seu. 

Pedro Gregório é autor de vários projectos arquitectónicos no país, como prédios de moradias no complexo do ténis no Platô, de moradias económicas na Achadinha, escolas primárias baptizadas de capelinha espalhadas em vários pontos de Cabo Verde, algumas igrejas, liceu Amílcar Cabral, inicialmente para ser escola de formação de professores e também do complexo habitacional Babilónia na Prainha.

Sobre a transformação dos sítios históricos no Platô, com demolição de casas ou prédios antigos para dar lugar a infra-estruturas mais modernas, considera que se houver alguma classificação destes enquanto patrimónios da cidade, que devem então ser conservados e melhorados se possível.

“Mas sem actuar demasiado. Mas, muitas vezes os proprietários não têm condições de fazer a manutenção desses edifícios e talvez o Estado devesse auxiliar na manutenção desses edifícios se pretende mantê-los como património.

Pedro Gregório é também desenhador da actual bandeira nacional, um dos símbolos máximos da identidade nacional cabo-verdiana, obra da qual diz sentir hoje “grande orgulho”.

Foi a partir de um concurso lançado entre os residentes e os da diáspora que tomou parte e participou, tendo a sua proposta sido escolhida.

Recorda que nessa altura, depois de 1991, já havia dois partidos, o Movimento para a Democracia (MpD) e o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), sublinhando que no júri havia elementos tanto de um como de outro partido e que houve algum debate ou resistência da parte do júri acerca da sua proposta.

“E na população houve também alguma resistência como qualquer coisa que é nova, encontra-se sempre a resistência”, afirmou, revelando que o processo de criação foi um bocado “doloroso”, na medida em que tinha de procurar elementos que para ele apresentassem exactamente o imaginário de Cabo Verde independente das outras nações ou de símbolos das outras nações, apesar de respeitá-los.

Por isso optou por utilizar a cor azul, o branco, o amarelo das estrelas, e o vermelho na bandeira ladeado por duas faixas brancas.

“O vermelho, para mim, representa o esforço que é necessário desenvolver para se construir Cabo Verde, ladeados pelas duas faixas brancas, que significa que é necessário esse esforço de ser feito na paz, na procura de consenso e não em conflitos”, explicou.

“Este esforço constante, essa faixa começa praticamente no círculo das estrelas, que são as ilhas, com a diáspora toda, todo o conjunto, mas não se antevê o fim, é contínuo, o que significa que este esforço deve ser contínuo, permanente.  E que deve ancorar-se, na ideia de resistência que o povo cabo-verdiano tem demonstrado durante a sua história”, complementou.

Apesar de ser “difícil” encontrar uma solução diferente, hoje diz ter cumprido a missão que devia cumprir naquela altura.

Pedro Gregório, 93 anos, arquitecto de profissão, diz ser filho de gente humilde que nasceu em São Vicente, mas cresceu entre esta ilha e São Nicolau, terra dos seus pais, e vive na cidade da Praia, no Platô, há mais de 60 anos.

É casado com uma portuguesa e pai de sete filhos, tendo o primeiro também seguido os caminhos da arquitectura, não por influência dele, mas pela própria escolha. Além de arquitecto, Pedro Gregório tem paixão pela música e pela pintura.

Presenciou o período conturbado da seca que assolou vários anos Cabo Verde, tendo resistido a este momento em São Nicolau entre as décadas de 30 e 40, a seu ver, porque não estava destinado a morrer, uma vez que recorda que a maior parte dos seus colegas faleceram assim como idosos que morriam de “morte morrida”. 

ET/ZS

Inforpress/Fim

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