“Djuda bai na hora di bai” novo livro do antropólogo Arlindo Mendes (c/ áudio)

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“Djuda bai na hora di bai” novo livro do antropólogo Arlindo Mendes (c/ áudio)
24/02/25 - 04:08 pm

***Por: Luís Carvalho, da Agência Inforpress***

Cidade da Praia, 24 Fev (Inforpress) – O antropólogo Arlindo Mendes disse hoje à Inforpress que a sua próxima obra, à espera de financiamento, intitula-se “Djuda bai na hora di bai”, uma espécie de eutanásia praticada um pouco por todo Cabo Verde.

Escrito há três anos, segundo o investigador, o “Djuda bai na hora di bai (ajudar a partir na hora da partida)” é a prática da eutanásia “à santiaguense”, ou seja, na ilha onde as suas investigações se têm concentrado, com vista a se preservar os actos, as tradições e os costumes de Santiago.

“Vou resumir a obra que já está escrita, dizendo que havia um rapaz a estudar em Lisboa [Portugal] e o pai estava doente e disseram-lhe que ele não queria partir sem o ver pela última vez. O rapaz estava na altura dos exames, suspendeu-os automaticamente e regressou a Cabo Verde. Quando veio, viu o pai nas últimas e este nem conseguia articular uma única palavra sequer. Os familiares disseram: ‘ele [o pai] já conseguiu ver o filho, portanto, é isto que ele queria e já o conseguiu’. O que isso quer dizer? Que já podia partir. Então, mandaram chamar uma pessoa para ajudar o pai a partir. Depois de observar o doente, entrou na sala, olhou para as pessoas e perguntou: ‘então não é para ficar?’ ao que as pessoas responderam em coro ‘coitado, ele já sofre há muito tempo’. Isto significa que, havendo alguma forma de tirar a pessoa do sofrimento, seria desejável”, conta o investigador.

A senhora, a praticante de “eutanásia”, prossegue o antropólogo, entendeu a mensagem e pediu aos familiares mais próximos que se retirassem da sala. Arranjou uns caldos fortes, rezou uns dez ou 15 minutos e, depois, anunciou a morte da pessoa.

“Era só isto que ele estava à espera. Já viu o filho, tomou um caldo forte e já partiu”, indicou o investigador, citando as testemunhas que ouviu durante a recolha, no terreno, deste tipo de casos.

A preocupação do antropólogo Arlindo Mendes, conforme revelou à Inforpress, é registar no papel algo que já foi prática em Santiago, por exemplo, mas está a desaparecer.

Até agora, tem custeado os seus trabalhos de investigação, mas gostaria que entidades públicas ajudassem.

“Se eu pedir, por exemplo, 600 contos para fazer um trabalho de investigação, como o caso do “Djuda bai na hora di bai”, à primeira vista parece ser muito dinheiro, mas não é. Se se dividir 600 contos por um trabalho de 30 meses de investigação, isto significa que se está a pagar 20 contos mensais a um Doutorado”, lamenta o autor do “Rituels Funéraires à Santiago aux îles du Cap-Vert (Rituais funerários em Santiago nas ilhas de Cabo Verde)”, um livro que resultou da sua tese de doutoramento em Antropologia/Etnologia pela Universidade de Pau et Pays de l`Adour (França).

“Faço este tipo de trabalhos para os registar em papel, porque as coisas estão a desaparecer a um ritmo, de tal sorte que é preciso mobilizar todos os meios para que fiquem os arquivos”, acentuou a fonte da Inforpress.

Um dia, um jornalista perguntou-lhe se acreditava nesses rituais, ao que respondeu: “Não se trata de acreditar ou deixar de acreditar. Quando abordo estes temas, a minha crença ou descrença não conta. O que conta é o que se passa e o que as coisas são e nas quais as pessoas acreditam”.

“As minhas investigações debruçam-se sobretudo na recolha de memórias. Há muitas histórias e culturas que já desapareceram e outras estão em vias de desaparecer”, revelou Arlindo Mendes, para quem o seu propósito é resgatar a memória, para que “as nossas tradições passem para as gerações seguintes”.

Referindo-se ao livro “Ritual de Apanha de Espírito” em Santiago de Cabo Verde, cuja reedição aconteceu este ano a cargo da Livraria Pedro Cardoso, o antropólogo explica que, de acordo com este ritual, “se acredita, em Santiago, que, quando uma pessoa tiver uma morte violenta, ou seja, decorrente de um acidente de viação, da queda de uma rocha ou mesmo no mar ou por uma facada, o espírito fica a gravitar à volta do local, a sofrer e a perturbar os vivos.  Daí a razão pela qual a madrinha é convidada a proceder ao levantamento do espírito com vista a libertar as pessoas vivas do receio e preocupação e, também, enviar o espírito para o lugar que merece”.

“A madrinha leva consigo um número limitado de pessoas e com certo perfil para não atrapalhar o espírito. Acredita-se que, se o espírito ficar assustado, não sobe para cima do lençol. No local, estende-se um lençol branco, com um prato com água e uma vela acesa. Enquanto se fazem orações católicas, a madrinha evoca o espírito para subir para cima do lençol. Depois, dobra-se o lençol e deixa-se a vela acesa até desaparecer. Este lençol é levado para a casa do morto e colocado no altar. Entretanto, se o apanha do espírito coincidir com a altura em que o altar se encontra desfeito, o lençol é levado para a sepultura do defunto e ali é sacudido”, explicou Arlindo Mendes, acrescentando que este ritual não é praticado apenas no concernente aos mortos, mas também em relação às pessoas vivas.

Falando ainda do livro “Ritual de Apanha de Espírito em Santiago de Cabo Verde”, revelou que falou com cerca de 45 pessoas que deram os seus depoimentos sobre este tema que desembocou no livro.

O ritual de apanha de espírito, de acordo com o antropólogo, não é exclusivo de Santiago. Esta prática existe também em outras regiões do País.

“Seria desejável que este tema fosse alargado às outras ilhas para se poder estabelecer uma comparação e ver as diferenças (desta prática) frisou, justificando que se sente limitado, tendo em conta que as suas investigações são feitas com os próprios meios e, por conseguinte, não dispõe de disponibilidades para se deslocar às outras ilhas.

LC/HF

Inforpress/Fim

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