*** Por Américo Antunes, da Agência Inforpress ***
Mindelo, 12 Fev (Inforpress) – O tratamento da dependência química requer, em primeiro lugar, uma vontade expressa por parte do doente, ou do residente, em querer o tratamento, porque este não é um tratamento que funciona contra a vontade do indivíduo.
Quem o afirmou foi o director da Comunidade Terapêutica da Ribeira de Vinha, Celso Monteiro, em entrevista à Inforpress para assinalar o primeiro ano da entrada em funcionamento da comunidade, no dia 16 de Fevereiro de 2022.
“O indivíduo tem de chegar a um determinado ponto de consumo em que ele tem que apelar para a consciência, uma consciencialização de que ‘eu não posso mais sozinho conseguir sair deste ciclo de vida, eu preciso de ajuda’”, concretizou o psicólogo clínico e pós-graduado em Saúde Pública e Comunitária.
É aí que, segundo a mesma fonte, se inicia todo um processo que vai desembocar no internamento, a começar pela procura de ajuda nos centros de saúde, com o psicólogo, mas depois já não entra só o psicólogo, pois a comunidade, sintetizou, trabalha “em sintonia e em forte articulação” com os centros de saúde.
Mas, não só, continuou, pois se há casos que vêm da Delegacia de Saúde, há outros dos tribunais e também dos centros de apoio psicossocial, nesse caso específico o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) da Ribeira Bote.
No entanto, a entrada na comunidade obriga a realização antecipada de consultas, exames complementares de diagnóstico e relatórios médico, psicológico e social, para que se saiba quais são as condições físicas e mentais de entrada.
E, continuou, se tudo estiver em conformidade são marcadas duas entrevistas de admissão, destinadas a estudar o perfil do candidato, e decidir a admissão desse utente para tratamento.
Celso Monteiro alerta, no entanto, que o residente deve entrar desintoxicado, designado de “fase zero”, que é uma desintoxicação feita nas estruturas de saúde, quando é possível, ou também em casa, pois “quanto mais sóbria a pessoa entrar, melhor funciona o tratamento”.
“Os contactos com o exterior acabam, pois, no primeiro mês, o nosso objectivo é fazer com que a cabeça da pessoa entre dentro da comunidade terapêutica e saia do estilo de vida que o trouxe cá, a rotura com o estilo de vida anterior, e para isso acontecer é necessário despromover todo o contacto com a família, com os amigos, ou seja, centralizar o seu pensamento e reconfigurá-lo para ficar cá dentro”, assinalou o director.
Neste período não pode receber telefonemas, nem contactar, nem receber recados, não pode receber visitas e nem pode frequentar a biblioteca, mas faz alguns trabalhos como os dez motivos para o internamento, três consequências da sua adição para a família, para ele e para os amigos, no fundo, observou, tomar a consciência da sua própria doença.
“Porque estamos a falar de uma doença e olhamos para a pessoa que tem a doença, não a doença na pessoa”, reforçou Celso Monteiro.
“Quando falamos de dependência química, não estamos a falar de um indivíduo que tenha mau carácter, ou de um indivíduo que seja desonesto, ou de um indivíduo que tenha defeitos, estamos a falar de uma pessoa que, por causa da doença, e em consequência da doença, acaba por ter determinados comportamentos que se ele não estivesse doente, ele não gostaria de ter”, ajuntou.
Findo o sexto mês de tratamento, o residente tem ainda pela frente um período de três pós-internamento, designado de ‘after care’, em que se dirige semanalmente, às quartas-feiras, à comunidade, ou seja, o que era um programa residencial passa a ser um programa ambulatório.
O objectivo é ver “como é que a pessoa se está a safar lá fora”, exactamente a nível familiar, profissional e a sua relação com a substância, como é que estão as tentações de voltar à velha vida, como é que está a relação com os amigos, consigo próprio, com o próximo e, dependendo dos relatos, vai recebendo aconselhamento.
“É fortemente aconselhado que a pessoa, assim que termina o seu tratamento aqui, continue a frequentar as reuniões dos Narcóticos Anónimos na CAPS, porque é um grupo de apoio fortíssimo e, de certa forma, continua a estruturar o programa que a pessoa leva daqui”, indicou o director da Comunidade Terapêutica da Ribeira de Vinha.
Neste ponto, Celso Monteiro aproveitou para esclarecer que na Ribeira de Vinha já não existe um Centro de Terapia Ocupacional (CTO), que agora funciona no Centro de Saúde da PMI, na Bela Vista, onde se faz um trabalho de terapia ocupacional que tem como objectivo, de certa forma, redireccionar a componente mente/corpo e que trabalha com outro tipo de população e tem outra metodologia de trabalho.
Tanto é que, explicou, um dos critérios para entrar no CTO da Bela Vista é as pessoas não consumirem nenhum tipo de droga, ou seja, o distúrbio é particularmente psiquiátrico.
“São duas estruturas completamente diferentes, que trabalham com populações completamente diferentes”, finalizou.
A Comunidade Terapêutica da Ribeira de Vinha representa um investimento do Governo, de mais de 125 milhões de escudos, financiado pelo Fundo do Kuwait, para dar resposta a toda região do Barlavento em matéria de tratamento das toxicodependências, mais concretamente em regime de internamento.
AA/HF
Inforpress/Fim
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