Rabil, 17 Out (Inforpress) – A história da olaria na Boa Vista é feita de areia e memória, outrora um pilar da economia do país, hoje vive uma fase de resgate e adaptação ao turismo, sob ameaça de um futuro frágil.
O testemunho de três gerações de oleiros, desde o período colonial à atualidade, traça o percurso de uma arte que se recusou a morrer, mas teme pela fragilidade da sucessão por falta de incentivo à juventude.
Na Chaminé de Chave, um dos pontos de referência turística da ilha, suas ruínas são um testemunho de uma antiga fábrica de tijolos e telhas, e indústria próspera que existia na ilha, que exportava essencialmente para os países da África Ocidental, fechou as portas em 1928 por razões desconhecidas.
De acordo com dados do site turístico Boa Vista (Oficial) Cabo Verde, houve outro projecto que funcionou na mesma praia, Escola de Olaria de Chaves, também de tecelagem, iniciada no final dos anos 50, que também foi extinta devido ao movimento da independência.
O próprio escritor Germano Almeida já descreveu em obras que Boa Vista era a "ilha cujo nome diariamente se invocava nas outras Ilhas", pois fornecia telhas que cobriam muitas casas no arquipélago, recipientes e potes de barro que conservavam a água fresca.
A Escola de Olaria Boa Vista, conforme conta o ex-oleiro Afonso Fernandes, 73 anos, nasceu por volta dos anos 60, da iniciativa de um português, inicialmente numa casa situada em Riba Rotcha, no Rabil, e depois foi transferida para onde atualmente se encontra a Escola de Olaria do Rabil.
O mesmo indica que trabalhou na Olaria em 1971, recorda que o trabalho de fazer telhas “era bruto”, entre homens e mulheres tiravam o barro/argila da parede que carregavam e lançavam num tanque deixando de molho para ser amassado.
Depois era usado nos moldes de máquinas para fazer telhas, que apesar de enferrujadas ainda existem na escola, assim como o forno.
Com a chegada da Independência, em 1975, e o encerramento das estruturas coloniais, a Olaria parou, segundo Afonso Fernandes, aparentemente já não dava muito rendimento, principalmente com a chegada do cimento e do plástico que “lamentavelmente substituíram o barro”.
Após o fecho e abandono do espaço, o oleiro António Monteiro, também conhecido como Toni d’Jovina, 64 anos, e reativador da Olaria, descreveu que em 1982 "ali dentro faziam carvão, era uma lixeira."
Motivado pela tradição herdada da mãe, Tóni d’Jovina assumiu o resgate do lugar, limpando e construindo paredes para proteger o barro do vento da ilha.
Com o apoio de iniciativas da autarquia, a escola foi inaugurada em 2008.
Da produção de telhas, passaram ao artesanato artístico, como vasos e as famosas tartaruguinhas, voltadas para o turismo.
Apesar da importância cultural da olaria, o futuro da tradição é o principal receio, como explica o oleiro João Morais, também conhecido como Luta, 48 anos, que expõe o problema da sucessão geracional em que a fragilidade económica ameaça o legado, já que o trabalho artesanal, embora belo, não oferece segurança nem remuneração que atraiam os jovens.
Para garantir o resgate do futuro desta arte, os oleiros apelam a um apoio institucional focado na modernização.
Tóni d’Jovina sonha com um forno industrial para produzir telhas e tijolos para a construção local, e Luta reforça que um forno industrial permitiria aumentar a produção, garantir encomendas, e consequentemente oferecer melhores salários para atrair jovens aprendizes.
A Olaria de Rabil é encarada como um dos grandes símbolos da Boa Vista e uma "fonte de dinheiro" que precisa de ser desenvolvida.
A sua sobrevivência depende de o Governo e a Câmara Municipal garantirem que a estrutura económica suporte a transmissão da tradição, forjada no esforço de várias gerações, e que continue a moldar o futuro cultural e económico da ilha.
MGL/AA
Inforpress/Fim
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