CRÓNICA: Braçadas contra o azul infinito e sob a majestade de “Djêu”

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CRÓNICA: Braçadas contra o azul infinito e sob a majestade de “Djêu”
04/08/25 - 03:00 am

*** Por Letícia Neves, da agência Inforpress***

Mindelo, 04 Ago (Inforpress) – Bem cedo, na areia branca da Praia da Laginha, dezenas de corpos aqueciam-se em silêncio, preparando-se para enfrentar o mar e, quem sabe, conquistar mais uma edição do “Volta a Djéu”, a emblemática prova de natação em águas abertas de São Vicente.

A competição teve início pontualmente às 08:00 de sábado, 02, com mais de 20 atletas a lançarem-se ao mar, onde o chão é um abismo azul e as paredes são ondas que se formam e se desfazem, imprevisíveis, indiferentes ao esforço humano.

Concentrados, homens e mulheres com toucas coloridas e bóias sinalizadoras amarradas ao dorso firmaram as primeiras braçadas, como se quisessem marcar território naquele oceano, que ora acolhe, ora desafia.

 A distância é 5,2 quilómetros, mas, como sempre no mar aberto, o desafio ultrapassa os números. É uma luta contra os outros, sim, mas, sobretudo, contra a vastidão do Atlântico e contra os próprios limites.

É preciso ignorar o gosto salgado que arde na garganta, resistir à correnteza que puxa na direcção contrária e suportar as chicotadas invisíveis das medusas, que doem como choques eléctricos.

O único foco: alcançar o “Djêu” — como é conhecido o Ilhéu dos Pássaros — que, imponente, ergue-se no meio do percurso para receber os mais corajosos.

Após contornar a bóia delimitadora, há o regresso, a última metade da jornada, agora com os músculos fatigados e o pensamento a flutuar entre persistência e rendição.

A partir da escuna de apoio da Polícia Marítima, onde a Inforpress seguia a prova, o cenário era de sincronia e esforço.

Braços ritmados cortavam o mar como pinceladas no infinito azul, até que, inevitavelmente, surgiu o imprevisto: um nadador foi desclassificado por ter sido tocado por um dos apoiantes num caiaque. Pouco depois, outro abandonava a prova, vencido pelo cansaço.

Para os que resistiam, restava a teimosia. E nela, uma força bruta, silenciosa, quase sagrada. Cada nadador guardava a sua estratégia sob a touca e os óculos de natação, confiando mais no próprio ritmo do que em qualquer cronómetro.

Porque, em águas abertas, é a resistência que separa os que chegam dos que desistem, e há quem precise vencer a si mesmo antes de qualquer adversário.

A chegada foi marcada pela emoção, sob aplausos e incentivos vindos de uma praia lotada.

O primeiro a cruzar a linha, ao fim de 1 hora e 36 minutos, foi Gervásio Silva, que, de rosto molhado por água e emoção, ergueu a bandeira de Cabo Verde em celebração, não apenas da vitória do dia, mas da consagração de um feito.

Gervásio conquistou o título absoluto desta edição, que estreou um novo formato, o circuito “Volta a Djéu” em três ilhas — São Vicente, Boa Vista e Cidade da Praia — realizadas em Agosto, Junho e Julho. Venceu todas.

“Sabia que a concorrência era forte, e isso foi o que me motivou. Dei tudo desde o início”, confessou à imprensa, já com o fôlego retomado.

Aos poucos, foram chegando os demais. Cansados, mas inteiros. Cada um com sua própria história de superação, porque, em águas abertas, nada é garantido. Cada nadador nada por um motivo que não se mede em tempo. 

No fim, o mar, ora inimigo, ora cúmplice, transforma-se em testemunha silenciosa da grandeza humana. E o “Djêu”, impassível, observa de longe, como quem promete estar à espera dos valentes, no próximo ano.

LN/JMV

Inforpress/Fim

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