*** Por Sandra Custódio, da Agência Inforpress ***
Cidade da Praia, 24 Jun (Inforpress) - O ex-Presidente da República Jorge Carlos Fonseca define-se como um “jardineiro da liberdade” e um “peregrino da democracia”, soltando as amarras do pensamento, divaga-se nas suas lembranças, paixões e emoções durante esse seu percurso de vida.
Jorge Carlos de Almeida Fonseca, nome de baptismo, nasceu na cidade do Mindelo, em São Vicente, em Outubro de 1950, casado e pai de três filhas, veio de uma família modesta, filho de um funcionário das Alfândegas, que também trabalhou ligado ao comércio, na loja “Lusa Africana”, e uma doméstica, sendo o pai da Praia e a mãe da ilha Brava.
Realizou, com distinção, a fantilhona [estudos primários, primeira e segunda classe] e secundários no país, licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídicas, pela Faculdade de Direito de Lisboa, tendo obtido a classificação de Muito Bom.
Falamos do ex-Presidente da República, que abriu as portas do seu gabinete de trabalho no Platô para receber a equipa da Inforpress, nesta entrevista invulgar, para “bisbilhotar-lhe”, bem entendido, um pouco a sua vida enquanto homem, ser humano e cidadão comum.
Jorge Carlos Fonseca cresceu numa casa relativamente grande, o pai tinha muitos filhos, não da sua mãe, mas criados por ela, tendo permanecido em São Vicente até seis anos, altura em que o pai foi transferido para a Praia, passando ele a viver também nesta cidade, onde ainda reside.
Homem de estatura normal, pele branca e cabelos lisos, considera ter tido uma infância normal, mas lembra-se de ter sido uma criança muito irrequieta, a despertar paixões amorosas desde tenra idade, também pela escrita, leitura, ao estudo, sido sempre bom aluno (…) e alguma irreverência.
Fonseca, que morava na Rua Sá da Bandeira, onde é hoje a Rua Amílcar Cabral, junto a Ponta Belém e sede dos Travadores, andou nesse meio e jogou futebol com os jovens daquela redondeza, recordando de muitos colegas como José Tomás Veiga, Carlos Veiga, Caré, estes mais velhos, mas também Duia, Mazola, João Pinto, Zé António, Kubala e tantos outros.
Frequentou a sede dos Travadores jogando ping-pong, bilhar (…), uma infância e juventude centrado na cidade da Praia, dedicado também à leitura, livros, incentivado pelo seu irmão mais velho, Mário Fonseca.
Tendo a memória de iniciar a escrita de poemas de amor para oferecer a apaixonadas, lembra-se que escrevia também cartas de amor para amigos seus que tinham menos jeito para a escrita.
E teve muitas namoradas? Ao que responde: “Não muitas. Algumas, eu era sempre de paixões fortes”.
Nisto, conta ter namorado uma jovem um pouco mais nova do que ele por algum tempo, até ir para a universidade, mas durante a viagem de barco, com um grupo de poucos estudantes, entre eles o Alfredo Silva, para ir estudar em Coimbra, teve uma outra grande paixão durante a viagem.
“Uma viagem de sete dias. Paixão por uma jovem, mas uma paixão que não se concretizava. Paixão platónica. Isso talvez tenha um pouco a ver com o meu temperamento, a minha maneira de ser, sempre cultivei esse tipo de paixões platónicas, impossíveis (…) creio que transportei isso para a vida fora”, revelou.
Casado há 36 anos com Lígia Fonseca, moçambicana, mas cujo relacionamento vem de há 39, Jorge Carlos Fonseca teve, entretanto, um primeiro casamento antes, da qual tem duas filhas, a Andreia e a Sofia, todas feitas mulheres, uma da administração e outra advogada, e com a actual mulher tem uma filha, a Rita, estudante de medicina na Universidade Nova de Lisboa.
Zona, como é também conhecido, alcunha que carrega desde os seus 10/11 anos, colocado por um amigo de infância, Pedras, futebolista, que hoje vive nos Estados Unidos, não teve filho homem, mas tem já quatro netos, sendo dois rapazes e duas meninas.
Perguntado sobre qual o segredo para manter um casamento duradouro, quanto mais não seja com uma mulher mais nova 12 anos, responde que não há segredo nenhum, porém tem que haver um relacionamento afectivo forte, paciência, alguma determinação, vontade de manter a relação, e, sobretudo, também espírito aberto para os altos e baixos.
“Qualquer relacionamento afectivo, amoroso ou outro tipo, há sempre altos e baixos. As pessoas não têm que ser iguais, ter os mesmos gostos, as mesmas paixões na vida, mas tem que haver alguns pontos em comum. O tempo também conta porque a relação vai se consolidando, e há depois uma espécie de habituação a um certo tipo de relacionamento”, comentou.
Definindo-se como um “jardineiro da liberdade” e um “peregrino da democracia”, Jorge Carlos Fonseca disse que a liberdade, poesia, política, futebol e as ciências criminais, ou seja, o direito penal, processo penal tudo aquilo tem de ver com o crime, o fenómeno do crime, objecto da sua profissão durante muitos anos, são as cinco grandes paixões da vida dele, enumeradas por ordem de importância.
Amante do futebol, tendo jogado em várias equipas na Praia e em Coimbra, participado em campeonatos, sido também guarda-redes, Jorge Carlos Fonseca, um “grande adepto” do Vitória de Setúbal, até hoje e de que é sócio honorário, seguindo as influências do pai, disse que parece que com a idade o gosto pela modalidade vai crescendo muito mais.
“E hoje com a idade, sou cada vez mais um fanático da bola”, expressou.
Retratando vários episódios, histórias mais marcantes da sua vida, lembra que foi expulso da Faculdade de Direito de Coimbra por um processo de cariz político, da rotura com o PAIGC em que ele e outros foram acusados de “trotskistas, esquerdistas, fraccionistas, a campanha presidencial para si próprio, e a sensação dos primeiros resultados, entre muitas outras emoções.
Mas nem sempre as histórias são de sucesso, tendo quando jovem tido uma “paixão intensa”, cuja namorada, da ilha do Fogo, arranjou um "afair" com um outro jovem.
“Acabei o liceu, fui de férias para o Fogo, no barco Ernestina que era do meu tio avô. E eu tinha ouvido uns zunzuns que ela tinha arranjado ali um affair com um outro jovem. Então, isso foi um abalo terrível. E que me lembro bem, deu-me motivo para escrever cartas, poemas, de sofrimento, da dor da coisa”, conta, lembrando ainda muitas outras narrativas marcantes e incríveis.
Conhecido por bom garfo, “hoje não tanto”, Jorge Carlos Fonseca sabe cozinhar, gosta de uma boa cachupa, feijoada, ervilhas com ovos escalfados e caldo de peixe.
“Cozinho. Faço feijoadas, caldeiradas de todo tipo, arroz de frango, arroz de atum, pato no forno, caldo de peixe (…) e gosto muito da comida portuguesa. Mas hoje, com os problemas que a gente tem da dieta alimentar, é complicado. Antes gostava até da malagueta, mas hoje evito”, revelou.
“Eu sempre fui um bom garfo. Hoje em dia, não tanto. Por causa da dieta alimentar. Eu comia muito, mesmo. Era conhecido por ser bom garfo. Dizem até, que uma vez, comi 21 pratos de arroz de atum num picnic. Não sei se é verdade ou não. Mas na altura tinha 17, 18 anos”, contou.
Jorge Carlos Fonseca que já foi Presidente da República, gostaria que Cabo Verde se transformasse num país com uma democracia avançada, um Estado de Direito sólido e moderno, e um país verdadeiramente desenvolvido, isto é, próspero, com menos desigualdades sociais e com menos assimetrias regionais.
“É um país que podemos criar. Não é nenhuma fantasia. Temos condições para isso, mas para tal, temos de ter mais ambição como nação”, sublinhou.
SC/AA
Inforpress/Fim
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