Cidade do Cabo, África do Sul, 20 Mar (Inforpress) – A especialista em cibersegurança e empresária sul-africana Anna Colllard considera que África precisa que os seus governos e sectores públicos se empenhem na promoção da literacia digital, “um requisito absolutamente fundamental para lidar com uma incompetência inconsciente”.
“Falta-nos essa capacidade dos governos, dos setores públicos, de promoverem a literacia em geral e a literacia digital, em particular; temos um problema com isso, porque a literacia digital é um requisito absolutamente fundamental para lidar com uma incompetência inconsciente”, afirmou em declarações à Lusa a partir da Cidade do Cabo a vice-presidente da KnowBe4 África, vencedora do prémio Mulheres do Ano em Cibersegurança 2023 da Cyber Defense Magazine e membro do Conselho para o Futuro Global do Fórum Económico Mundial.
“As pessoas nem sequer sabem que não sabem”, sublinhou Collard, cuja empresa realiza anualmente inquéritos em vários países africanos sobre segurança cibernética ou utilização de Inteligência Artificial (IA).
Um inquérito divulgado em fevereiro pela KnowBe4 África, realizado junto de 1.300 inquiridos em 10 países africanos e do Médio Oriente, revelou que 63% dos utilizadores estão dispostos a partilhar as suas informações pessoais, enquanto uns “impressionantes 83% expressaram confiança na precisão e fiabilidade das ferramentas de IA”, sublinhou a especialista.
“Fazemos estes inquéritos todos os anos, perguntámos às pessoas se sabem o que é um ‘deep fake’ e como avaliam a qualidade da segurança cibernética, e descobrimos que as pessoas pensam que sabem mais do que sabem”, disse ainda.
A maior urgência, segundo Collard, passa por “mudanças nos departamentos educativos e currículos nas escolas, que não têm a capacidade, os recursos ou mesmo os conhecimentos” para operar essas transformações”.
“Por isso, não podemos esperar que sejam elas a resolver o problema”, acrescentou, sugerindo que a solução passa pelo reforço das parcerias público-privadas.
Por exemplo, destacou a empresária, o Governo britânico está a desenvolver um projeto de planeamento e capacitação cibernética em todo o continente africano, no qual participa a empresa de Collard, que apoia jovens desfavorecidos, que não conseguem frequentar a universidade, com um ano de formação em cibersegurança.
A “boa notícia”, disse a especialista, “é que, ainda que muitos deles não tenham a literacia geral necessária, são uma espécie de nativos digitais, anseiam pelo acesso à tecnologia, e eu vejo isto como uma oportunidade”.
“Se fizermos mais para educar esta população jovem na utilização responsável das tecnologias emergentes, quer se trate de IA ou não, e os prepararmos para poderem, eventualmente, oferecer serviços ao resto do mundo, isso será uma oportunidade para África”, concretizou a especialista.
Para tanto, explicou Anna Collard, é necessário que as políticas públicas sejam conduzidas pelos responsáveis adequados. “Quando falamos com um Governo africano sobre cibersegurança ou qualquer outra coisa no domínio digital, eles colocam a coisa sob a alçada do Ministério da Segurança ou de quem quer que seja responsável pela segurança”, queixou-se a especialista sul-africana.
“Essas pessoas estão mais interessadas, por exemplo, em comprar tecnologia para espiar jornalistas e outros políticos do que em resolver os problemas das pessoas, e isso também é um problema”, ironizou.
“O facto de a verdadeira propriedade da segurança digital e, chamemos-lhe, ‘utilização responsável da tecnologia’ estar frequentemente sob a alçada da segurança nacional, que é mais militar e mais focada em ajudar os políticos do que a população, é um problema”, acrescentou Collard.
Em África, sublinhou, a “maior ameaça”, além do potencial nefasto da IA, “é a exclusão digital”. “Temos de nos certificar de que fazemos parte, de que não permanecemos na escuridão, e isso vai muito além da IA”, claro, mas há a montante uma questão importante a dar resposta.
“Um dos princípios éticos da IA que temos de resolver prende-se com o facto de o mundo estar a alimentar algoritmos com base em conteúdos, estruturas e padrões de pensamento que são maioritariamente de engenheiros brancos ou asiáticos”, afirmou.
É preciso “mais representação africana, mais representação feminina no domínio da IA em geral”, disse.
“Assim como precisamos de ter um lugar à mesa em termos de elaboração das políticas, também temos de ter e estar nas empresas tecnológicas”, porque o atual estado das coisas traduz “uma forma diferente de colonização”, apontou.
Segundo Anna Collard, “é como uma colonização mundial pelos ‘Zuckerbergs’ [dono da Meta, a multinacional detentora do Facebook e Instagram, entre outras], pelas Googles, pelas grandes empresas tecnológicas, concordo a 100% com esse sentimento”.
“Temos de estar conscientes e garantir que temos as partes certas representadas nas mesas que tomam decisões e regulam esses grandes atores”, concluiu.
Inforpress/Lusa
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