ENTREVISTA: Poeta José Luiz Tavares surpreso com a escolha de Augusto Veiga para ministro da Cultura

Inicio | Cultura
ENTREVISTA: Poeta José Luiz Tavares surpreso com a escolha de Augusto Veiga para ministro da Cultura
27/08/24 - 12:00 pm

Lisboa, 27 Ago (Inforpress) – O poeta cabo-verdiano José Luiz Tavares considerou, em entrevista à Inforpress, “surpreendente” a escolha de Augusto Veiga para liderar a pasta da Cultura.

“Não deixa de ser uma escolha surpreendente, porquanto os ministros da cultura vieram sempre de áreas culturais ditas clássicas ou de gente com relevante peso político, desde o regime do partido único. Recorde-se dos nomes de David Hopffer Almada, António Jorge Delgado, o melhor ministro da Cultura de que tenho memória, Ondina Ferreira, Vítor Borges, Jorge Tolentino, Manuel Veiga, Mário Lúcio, que, sendo músico, é também escritor”, recordou.

Para o poeta, natural do Tarrafal de Santiago, que falava à inforpress a propósito do Prémio Oceanos 2024, de que é um dos 60 semifinalistas, com a obra poética “Perder o pio a emendar a morte”, depois de oito anos de um ministro “vaidoso e ventoso, vácuo e conflituoso”, chega alguém agora com um outro perfil.

“Não faço nenhum juízo antecipatório, até porque eu não sou indivíduo de ter expetativas em ninguém, sobretudo na política. Eu apenas digo o que acho que se deve fazer na área que melhor conheço, que é a do livro e da literatura, que tem sido votado a um abandono atroz, com a retirada, em tempos, da autonomia administrativa, financeira e patrimonial à Biblioteca Nacional, com um défice crónico de investimento no livro.

Esse desinvestimento, segundo o poeta apanágio de todos os governos da República, agravou-se na gestão de Abraão Vicente, com a “desastrosa (política e patrioticamente criminosa, do ponto de vista do dinheiro desbaratado e canalizado para uma entidade estrangeira) «morabeza», e o abandono completo do sector do livro, a não ser quando era preciso engendrar algum show sem conteúdo para contentar uns escreventes sedentos de migalhas e palco, ou precisasse de qualquer forma de publicidade ou caucionamento, que apenas as artes eruditas podem proporcionar”.

Para o mais premiado escritor cabo-verdiano, o anterior ministro, “que só tinha olho e boca para as suas bazófias, dizendo que «morabeza» era maior festival literário da África de língua portuguesa, como se fosse isso o que mais importa, importando de Portugal um modelo sugador dos parcos recursos nacionais, sobretudo nefasto à ecologia literária cabo-verdiana, nunca olhou para o trabalho que se faz em Moçambique, quer ao nível do investimento na literatura, quer ao nível dos jurados dos prémios relevantes da lusofonia”.

“Alguém achará que é por acaso que os dois prémios Camões atribuídos a escritores cabo-verdianos aconteceram precisamente em duas das três vezes em que estiveram autores cabo-verdianos no júri: eu, quando o prémio foi atribuído ao Germano Almeida, e o Corsino Fortes, quando foi o Arménio Vieira? Apenas quando o Germano fez parte do júri é que o prémio não calhou a um escritor cabo-verdiano”, atirou.

Referiu-se à edição deste ano do Prémio Oceanos e ao número de jurados moçambicanos presentes.

“Agora com dois elementos moçambicanos em cada júri das meias-finais, o da prosa e o da poesia, é natural que venhamos a ter finalistas moçambicanos quer num género ou outro, sem que isto implique qualquer jogada, mas apenas porque há um investimento nos centros de decisão sobre estes assuntos, e sobretudo no apoio à criação e edição na área da literatura, até da parte de privados, como o notável trabalho feito pela fundação Leite Couto e pelas empresas que apoiam com relevantíssimos prémios pecuniários o sector da criação literária”, lançou.

E prosseguiu: “Veja-se a plêiade de jovens e notáveis poetas que há hoje nesse país, o que me enche de contentamento como poeta e africano e escritor numa língua que partilho com eles. Acham que isso é obra do espírito santo? Não! Enquanto uns investem em festivais e regabofes e pinotes mediáticos, Moçambique investe em verdadeiros valores culturais”.

JMV/ZS

Inforpress/fim

Partilhar