ENTREVISTA: Amigo dos amigos António Ludgero Correia quer gravado na sua lápide “Aqui jaz um bom pai” (c/áudio)

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ENTREVISTA: Amigo dos amigos António Ludgero Correia quer gravado na sua lápide “Aqui jaz um bom pai” (c/áudio)
10/10/25 - 01:15 am

***Por Sandra Custódio, da Agência Inforpress***

Cidade da Praia, 10 Out (Inforpress) – Amigo de seus amigos, António Ludgero Correia, destacado político e autor cabo-verdiano, um “militante ferrenho” da Terceira Via, deseja tão-somente quando terminar a sua peregrinação terrena ter gravado na sua lápide a frase “Aqui jaz um bom pai”.

A Terceira Via é um conceito que busca conciliar elementos da esquerda e da direita, propondo uma alternativa ao tradicionalismo político, que surgiu como uma forma de romper com a dicotomia entre esquerda e direita, buscando soluções inovadoras e mais flexíveis para os desafios contemporâneos.

Hoje falamos de um homem que gosta de ir às compras, comprar coisas que aprecia fazer e cozinhar, ir à “Boutique dos Congelados” escolher as carnes para o churrasco no domingo, que mesmo na reforma não perdeu o hábito de se levantar cedo, fazer uns tantos minutos de esteira, logo pela manhã para ganhar mais saúde, boa disposição e qualidade de vida. 

Trata-se de António Ludgero Correia, nome herdado dos seus antepassados masculinos, António do seu avô e Ludgero Correia de seu pai, casado, pai de três filhos, dois rapazes e uma menina, hoje aposentado na Função Pública.

Disponibilizou-se para esta conversa intimista à Inforpress sentado descontraidamente no sofá da sua casa, onde falou um pouco de si e de tudo um pouco, entre algumas risadas, recordando tempos idos.

Licenciado em Ciência Política, António Ludgero Correia foi comandante da Guarda Fiscal, no Ministério das Finanças, e director dos Serviços de Inspecção, Organização e Contabilidade da Direcção-Geral das Alfândegas, conselheiro do Presidente da República e Inspector Principal do quadro privativo do Ministério das Finanças, membro fundador e presidente da Associação Pró-Praia, também membro fundador da Academia Cabo-verdiana de Letras (ACL), entre outras funções.

Nascido na cidade da Praia em 1953, há 72 anos, literalmente na Vila Nova porque não nasceu no hospital, mas em casa, zona onde passou toda a sua infância, juventude e se fez homem, e vive há 30 anos na Rua D’Horta, no plateau, rua que já teve, entretanto, vários outros nomes.

Da parte da mãe, é da família Sanches Tavares e os Sanches de Barros, uma grande linhagem, conforme conta, duas irmãs que se casaram com dois irmãos e deixaram filhos “à vontade”.

Lembrando-se do pudim de queijo da avó materna, e que a mãe também era uma cozinheira de “mão cheia”, Ludgero Correia, que se diz oriundo de uma família de doceiros e de hábitos conservadores, recorda que teve uma infância normal, à volta de pessoas amigas com quem se davam bem, cheio de mimos porque a avó, embora rígida, o mimava muito.

Às refeições tinha uns talheres e uma tigela próprios para o seu café da manhã para servir cuscuz com leite, ao almoço e jantar as louças eram diferentes, e quando passou para a terceira classe a avó ensinou e obrigou-lhe a comer com faca e garfo.

Narrando sobre várias outras histórias interessantes da sua infância, António Ludgero Correia disse que a sua juventude foi também normal, de um fulano da década de 50, daquela geração que só foi possível porque os pais resistiram à fome, à Segunda Guerra Mundial, ao bloqueio que se instalou no Atlântico com minas marinhas e coisas do género.

“Foi uma adolescência tranquila. Aquela geração forte. Na altura jogava futebol, brincava polícia e ladrão, entre outras brincadeiras da época. Por influência do meu tio Nené de Nha Pumba, que morava mesmo ao lado e tinha sempre livros, comecei a ler e criar gosto pela leitura muito cedo”, conta, realçando que aprendeu também a fazer caixões com a sua avó.

Ele é filho único da sua mãe, mas tem mais de 20 irmãos do lado do pai, referindo entre risos que a sua progenitora “foi esperta porque viu que daquele mato não sai coelho” (risos).

Embalado nas suas lembranças, contou ainda “algumas loucuras” da juventude, de quando e como comprou o seu primeiro carro, um Renault 16, das tantas quantas namoradas, do dia em que ele e um grupo de amigos resolveram beber whisky por desafio, em São Domingos, entre outros episódios mirabolantes.

“Acho que foi a coisa mais estúpida que fiz em toda a minha vida. A última vez que bebi foi no dia 24 de Novembro de 1980, nunca mais pus uma gota de álcool na boca, até hoje”, recordou António Ludgero Correia que se diz amigo dos amigos.

Por outro lado, considerando-se um militante ferrenho da Terceira Via, mas uma Terceira Via da cidadania, lamentou o estado em que a Associação Pró-Praia chegou, por ter perdido a sua acutilância, e assumindo mea-culpa, acredita que “baralhando as cartas” e voltar a dar pode outorgar uma vida nova e um ânimo novo.

“Há sempre esperança”, disse o homem experiente, multifacetado, casado há mais de meio século, cujo ingrediente para manter um casamento duradouro e saudável, conforme notou, é a paciência e cedência mútua porque muitas vezes a gente sai do sério e “bota pra quebrar”, como diz o brasileiro.

“Vai se levando, vai-se cuidando, surgem os netos… E não há família que se desfaça tendo uma cola tão forte como a dos netos simpáticos e adoráveis”, manifestou António Ludgero Correia que aos 72 anos tem seis netos, cinco dos quais brasileiros, vivem lá, e o mais pequeno, o Rafael, de 6 anos, o xodó da família, vive cá e é a alegria do lar. 

Sentindo-se ainda vivo e cheio de forças, mas atento porque além da fachada há o interior, António Ludgero Andrade que admite ser um pouco rebelde, disse que a vida lhe ensinou que não há nada como um dia depois do outro.

“Às vezes a gente acorda, durante o dia acontece umas coisas, vê tudo vermelho, tudo perdido…. Põe a cabeça no travesseiro e outro dia acontece com uma solução à vista. Afinal, a páginas-tantas, o diabo não é tão feio como pintam. E as coisas vão se resolvendo”, exteriorizou, comentando que só a morte não tem solução.

Apesar de ter muitos e bons amigos, há muito tempo que deixou de ir a festas, aquela vida de paródia, tendo ficado um pouco “bicho do mato”, preferindo a sua zona de conforto, na sua casa, ou a casa de campo em São Jorge dos Órgãos, onde vai passar os finais de semana ou férias com a família.

“A gente tem lá uma churrasqueira operacional, faz um churrasco e tal… de vez em quando o pessoal aparece, a gente faz uma belíssima feijoada, às vezes cozinho, ainda há dias fizemos um chili de feijão vermelho com muito molho picante”, conta.

Além de chili de feijão vermelho, sabe fazer também uma boa massa, arroz com atum e outros manjares.

Como já não é de festa nem paródia, em vez de estar ali e acolá, distrai-se de forma diferente, vai fazer compras, vê televisão, e dedica o seu tempo também à escrita e leitura.

No final do desabafo que levou cerca de 50 minutos, Ludgero Correia comenta que antes de partir deste mundo, porque “estamos cá de passagem”, desejava ter gravado na sua lápide a frase: “Aqui jaz um bom pai”.

“É a minha missão. Tenho tentado ser um bom pai, para que os meus filhos também sejam. E se eles influenciarem os seus filhos também, vamos ter uma nova geração de gente que tem a ambição de ser bons progenitores, que mereçam ter na campa, aqui jaz um bom pai”, finalizou.

António Ludgero concluiu desafiando os jovens a serem rebeldes, a questionarem e lutarem pelas suas ambições.

SC/ZS

Inforpress/Fim

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