Cidade da Praia, 27 Jun (Inforpress) - A praticamente uma semana dos 50 anos da independência nacional, a história de Jacinta Robalo, vendedora de 84 anos e quase sete décadas no mercado do Plateau, simboliza a memória viva de um país que nunca desistiu.
Natural de Nossa Senhora da Luz, a octogenária começou a vender aos 17 anos e, hoje, com quase 85 anos, continua activa, com a mesma força, coragem e fé que a acompanhou ao longo de quase sete décadas de trabalho.
“Comecei a frequentar o mercado com 17 anos e ainda estou aqui”, contou, com firmeza.
No seu primeiro dia de venda, os ovos foram comprados por meio tostão (a moeda da época) vendidos ao dobro.
Com o lucro, comprei um brinco de ouro e voltei para a casa.
Aos 23 anos, já casada, decidiu ficar de vez no mercado, e passou a morar na Vila Nova, na cidade da Praia.
Recorda que a infância foi marcada pelas deslocações de madrugada para a capital e pelo esforço partilhado com o pai.
“Levantávamos de madrugada e vínhamos com a carga no burro e também na cabeça, não havia carro”, explicou.
Saíam da Nossa Senhora da Luz à uma hora da madrugada e, entre às 02:00 ou 03:00 , já estava a arrumar os produtos para a venda, o burro era deixado no Taiti, mais concretamente no Petxeku, situado nas imediações do Estádio da Várzea.
O mercado do Plateau, tal como conhecemos hoje, era então um espaço aberto sem as bancas nem a casa de banho.
Segundo Jacinta Robalo vendia-se no chão, havia duas grandes árvores no local e debaixo dela vendia-se lenha, mel e leite.
Antes da independência, o espaço era arrematado por pessoas que o geriam, como Bibi di Riqueta, uma figura bem conhecida, que cobrava o uso do local.
“Ela era mulher, mas namorava mulheres”, contou Robalo, referindo que, naquela época, havia respeito e não existia discriminação.
Durante o período colonial, o mercado era fiscalizado, o Governo impôs uma tabela de preços que, para a vendedora, não funcionava.
“Comprávamos por 40 e queríamos que vendêssemos por 25 ou 30 escudos, vendíamos às escondidas”, revelou, lembrando que muitas pessoas passaram fome por querer comprar produtos a preço de tabela, sendo que outras vendedoras se recusavam a vender.
Por iniciativa própria, disse, criou uma estratégia, preparava bolsas com produtos e vendia na rua, fora da vista da polícia e de quem queria comprar por preço da tabela, caso fosse apanhada era obrigada a vender sem lucro.
No dia 05 de julho de 1975, quando foi proclamada a independência, Jacinta Robalo estava de resguardo.
Ainda internada, escolheu na rádio um anúncio que mencionava o seu próprio nome, para levantar alguns bens que tinha comprado dos portugueses que estavam de partida.
A independência trouxe mudanças ao mercado, mas também a liberdade, recordou.
“Depois da independência fizemos as bancas, antigamente vendíamos no chão, agora ganhamos mais liberdade”, reiterou.
Apesar de considerar que antes não eram “maltratados”, admite que havia situações acertadas.
Jacinta Robalo sempre vendeu os mesmos produtos, batata, tomate, mandioca, cebola e alho.
Comprava um burro de batata por 400 escudos e vendia por 700, mas se vendesse directamente ao consumidor, o lucro era maior.
As condições físicas do mercado também evoluíram. Antes, nem sequer existiam casas de banho e as vendedoras “faziam as suas necessidades em Ponta Belém”, recordou.
A união manteve-se, “quando alguém se sentiu mal éramos nós quem a levava para o hospital”, partilhou.
Ao falar do presente, Robalo mostra-se contente com a vida e com os espaços onde passou tantas décadas.
“Aqui divertimo-nos, colocamos batuque e dançamos, quando uma pessoa faz aniversário, comemoramos também”, sublinhou.
Orgulha-se de ter aprendido a trabalhar, a comprar, a vender e. sobretudo. de viver com humildade.
A rabidante avançou que nunca teve outro emprego além deste e que foi o seu primeiro e último e continua firme.
Quando questionada sobre que mensagem gostaria de deixar para os mais jovens e futuros vendedoras, respondeu “sabedoria”.
“No mercado conseguimos criar bem os nossos filhos, se a pessoa tiver juizo, cresce”, explicou, acrescentando que muitos produtos são dados "fiados", confiando que o pagamento virá, “vivemos bem, porque se pagarmos, as portas estarão sempre abertas”.
Jacinta Robalo acredita que o segredo para viver tantos anos com força está na fé.
“Quando colocamos fé em Deus, Ele nos dá força para viver”, sublinhou.
Em Julho, o país assinala meio século de independência, e a voz de Jacinta Robalo ecoa como memória viva de um Cabo Verde moldada por quem sempre se transferiu, preservando a memória do mercado que cresceu com ela.
KF/SR/JMV
Inforpress/Fim
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