Cidade da Praia, 24 Abr (Inforpress) – O ex-Presidente cabo-verdiano Pedro Pires considera o 25 de Abril o acontecimento político e histórico “mais importante” que teve lugar em Portugal nos últimos 50 anos e que permitiu a Cabo Verde colónia ser um país soberano.
Pedro Pires falava em entrevista à Inforpress nas vésperas da comemoração dos 50 anos da Revolução de 25 de Abril, conhecida também como Revolução dos Cravos, sobre como esta data influenciou o desempenho económico e social de Cabo Verde 50 anos depois.
O antigo chefe de Estado afirmou que o 25 de Abril permitiu que o arquipélago se beneficiasse da ruptura com o Portugal colonial e o colonialista, e continuar amigo do Portugal democrático e anticolonialista.
“Permitindo a independência em que trabalhamos Cabo Verde colónia para ser um país soberano”, acrescentou, acentuando que do ponto de vista histórico e político há um antes e um depois do 25 de Abril.
Volvidos 50 anos, de Cabo Verde colónia poucos se lembram ou se referem, talvez, diz pedro Pires em jeito de interrogação, por “alguma inibição, vergonha, sentimento ou frustração qualquer?”
Porém, apesar desses sentimentos que podem marcar o esquecimento, fez questão de lembrar que é de Cabo Verde colónia que nasceu o soberano e que se não fosse pelas condições coloniais de dominação e de tudo por que passou o país em matéria de opressão, falta de direitos, a falta de segurança alimentar não haveria o desejo da luta da libertação.
“O Cabo Verde depois do 25 de Abril e das negociações entre o PAIGC e o Governo português deu lugar à assinatura do acordo da independência de Guiné e Cabo Verde a 19 de Dezembro de 1974”, referenciou para dizer que Cabo Verde de hoje tem “pouco a ver” com o de depois de 25 de Abril tanto no aspecto económico, saúde, educação, condições de vida e até de urbanismo.
“Estamos aqui num dos bairros mais modernos, da cidade da Praia, e tudo isso é fruto do Cabo Verde soberano que permitiu grandes transformações. Em 1975 existiam dois liceus no país e agora temos mais de 60, tudo isso dá ideia da transformação”, disse, enfatizando que na época as pessoas estavam descalças, as casas cobertas de palha, mas que tudo isso desapareceu.
Vai ainda mais longe afirmando que antes os cabo-verdianos emigraram, mas que Cabo Verde de hoje recebe imigrantes, que éramos uma sociedade mais homogênea e agora somos uma sociedade cosmopolítica.
O ex-Presidente da República refere ainda que na época colonial, com excepção de São Vicente que recebia os barcos estrangeiros no Porto Grande, as outras localidades não “viam estrangeiros”.
“Eu vi o meu primeiro estrangeiro quando saí do sítio onde morava a sete quilómetros de São Filipe para estudar e foi ali que contactei com a língua portuguesa. A pergunta que nos vem sempre à mente é se estamos a querer mais e melhor, pois, se assim for, fazemos o melhor, já que aceitar a mediocridade não nos deixa progredir”, relatou.
Referiu-se ainda sobre o nível de vida da época em que o PIB rondava os 220 dólares e agora está nos seis mil dólares, sobre a apresentação dos cabo-verdianos, frisando que se formos ver as fotos do antes e da juventude actual pode-se notar uma grande diferença e para o melhor.
“Tudo isso nos dá satisfação apesar das dificuldades que ainda temos e a persistência da pobreza. O Cabo Verde de 1974 e o Maio de 2024 não se comparam”, afirmou.
Para Pedro Pires, não há dúvida de que o 25 de Abril mudou muita coisa, principalmente as relações com Portugal por se tratarem de dois Estados soberanos, mas também, defendeu, porque permitiu aceder de forma pacífica à independência, apesar de para chegar a esse ponto tiveram que lutar, fazer guerra, havendo gente que morreu e sacrificou por tudo isso.
Mas o 25 de Abril também, conforme o antigo Presidente da República, assinala os 50 anos do encerramento da prisão do Tarrafal.
“O que é que isso significa em matéria da liberdade e libertação política? Tarrafal era um símbolo da colonização, da opressão, mas também era o símbolo da resistência. Para eliminar o Tarrafal e dar o passo seguinte foi preciso lutar e exigiu que centenas de pessoas estivessem encarceradas neste presidio”, explicou, salientando que não foi uma caminhada sem problemas, mas sim “um combate de todos que se conseguiu vencer e abrir novas perspectivas”.
Questionado se as relações de amizade, política e de cooperação entre os dois países são as mais adequadas ou se deveriam melhorar, Pedro Pires volta aos tempos da independência para lembrar que os primeiros dirigentes do Cabo Verde independente e aqueles que negociaram a independência com Portugal fizeram tudo para que não houvesse ruptura criada com as negociações dos dois lados.
Explicou que todos na época fizeram o seu melhor para que se mantivessem as condições para o desenvolvimento muito melhor e superior das relações entre os dois países, pelo que solicitou também maior atenção aos esforços feitos pelos primeiros dirigentes e os negociadores que deixaram o “caminho aberto, comunicação e diálogo” para que as relações entre os dois Estados chegassem ao ponto que hoje estão.
“Não sei se posso dizer se estou ou não orgulhoso, mas o meu sentimento é que fiz o meu melhor, pois trabalhei sempre com serenidade e lealdade para com Cabo Verde e os cabo-verdianos. Mais do que isso é que os meus melhores amigos foram aqueles com quem negociei na altura”, disse.
O homem que diz ter dado o seu melhor para Cabo Verde e o seu povo, admite, no entanto, estar “triste e espantado” com os acontecimentos do mundo actual, em que o espírito da vingança, do ódio e do desprezo pela vida humana é que impera.
Por estas andanças, realçou, o que se precisa é de uma outra humanidade em que se pode falar sem medo e sem riscos.
“A nível global queremos um mundo diferente, mais humilde e fraterno, onde não exista diferença entre pessoas por terem religiões diferentes”, exteriorizou como que num apelo ao mundo.
No dia 25 de Abril de 1974 Pedro Pires diz ter estado na Guiné, apesar de afirmar, logo de seguida, não conseguir ver hoje, claramente, onde estava.
Assegurou, entretanto, que no dia 7 de Abril de 1974 foi chamado a Conacri para preparar um documento sobre a situação política e social da Guiné-Bissau e sobre as suas necessidades na altura para, Aristides Pereira, que estava em tratamento, levar a Moscovo.
O antigo primeiro-ministro e Presidente cabo-verdiano revelou que na altura todos tinham a ideia de que Portugal estava em crise e que o país estava obrigado a “mudar de rumo”.
“Felizmente que os jovens capitães tiveram a ousadia de encabeçar a ruptura. Isso foi muito importante. A grande qualidade desses jovens foi terem tido a ousadia e a visão de um outro Portugal”, concluiu.
Pedro Verona Pires era dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e, ao mesmo tempo, membro do Governo guineense (com funções para Cabo Verde), após a declaração unilateral de independência face a Portugal, em Setembro de 1973.
PC/ZS
Inforpress/Fim
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