PERFIL/Aníbal Oliveira: Quando fugir da tropa abriu uma via para o sucesso (c/áudio)

*** Por Américo Antunes, da Inforpress, no Rio de Janeiro ***
Rio de Janeiro, Brasil, 10 Dez (Inforpress) – Escolheu o Brasil nos idos anos de 1963 para a aventura da emigração, porque não queria ir para a tropa, aqui fez um pouco de tudo em diversas áreas e, 56 anos depois, diz-se, hoje, um homem realizado.

A história é de Aníbal Chantre Oliveira, 75 anos, mas bem que poderia ser de tantos cabo-verdianos que um dia, por uma razão ou outra, tiveram que deixar Cabo Verde, neste caso o vale de Chã de Pedras, em Santo Antão, em busca de uma vida melhor.

Na sua casa, num condomínio da Barra da Tijuca, Aníbal Oliveira contou à Inforpress que saiu de Santo Antão na semana em que completou 19 anos, no dia 17 de Agosto de 1963, e chegou ao Brasil a 07 de Setembro, de avião, da companhia Pannair, num voo designado “Amizade Brasil/Portugal” e que fez o percurso Sal/Recife/São Paulo/Rio de Janeiro.

O avião passava pelo Sal, apanhava passageiros também, mas principalmente para se abastecer, porque os aviões naquela altura não tinham autonomia para atravessar o Atlântico.

Uma viagem que ocorreu nas vésperas de ser chamado ao serviço militar português, e porque não queria ir para a guerra, deu “algum trabalho” convencer o pai a emancipá-lo, já que naquela época a maioridade era aos 21 anos.

“Tinha completado 19 anos naquela semana, não poderia sair sem a emancipação, mas lá consegui e vim parar ao Rio de Janeiro”, concretizou, numa escolha que está ligada aos filmes brasileiros da época, entre eles o “Aviso aos Navegantes”.

“Vi este filme 13 vezes, já conhecia a história toda e ia ao cinema só para ouvir as músicas brasileiras, por isso escolhi o Brasil”, precisou.

Sobre a adaptação no início ao “novo mundo” do Rio de Janeiro, Aníbal Oliveira diz que não foi difícil, e só tem elogios para com o povo brasileiro, que classifica de “único e fantástico”, que recebe a todos “de braços abertos” e faz qualquer um sentir-se em casa.

“Penso que o Brasil é único e às vezes dou-me comigo a pensar que os colegas que foram para a Europa e outros países devem ter sentido na pele alguma discriminação, enquanto no Brasil você não sente nada disso”, reforçou.

A etapa seguinte passava por arranjar trabalho, mas para um jovem de 19 anos, sem profissão, saído do liceu, não foi “nada fácil” no início.

Mas, porque há sempre um compatriota disposto a ajudar, encontrou um patrício de Santo Antão e lá conseguiu uma colocação num emprego, numa empresa de construção civil.

Foi colocado numa obra de construção de um prédio, no Rio, em que era responsável pela parte escrita, ou seja. anotava o recebimento dos materiais e fazia a folha de pagamento, em seis cópias com papel carbono, do próprio punho, com a “famosa caneta bic”.

“Tinha que forçar a caneta para sair nas seis vias e até hoje tenho no dedo a marca deixada pela caneta bic”, contou o homem que ainda hoje tem na memória a Rua Francisco Otaviano, 112, condomínio do edifício Monet Mané, onde se situa o prédio, e por onde passa “de vez em quando”.

Licenciado em Economia, Aníbal Oliveira teve outros empregos como vendedor de seguros e trabalhou ainda no mundo dos negócios numa empresa que criou de exportação de produtos brasileiros para os mercados de Angola, Cabo Verde e outros países, para além da participação em alguns negócios em Cabo Verde, onde ainda tem alguns interesses comerciais.

Negócios à parte, o nosso entrevistado diz ter na família, que constituiu no Brasil, o “grande suporte” e fala mesmo em “sorte grande” quando foi escolhido por uma “excelente mulher”, pois diz não acreditar que são os homens que escolhem as esposas ou namoradas.

“Elas é que nos escolhem a nós, porque se a mulher não te eleger você não consegue nem a oportunidade de chegar perto”, teorizou o pai de duas filhas e avô de dois netos.

Mas, reforçou, apesar de terem nascido no Brasil, tanto as filhas como a mulher têm nacionalidade cabo-verdiana e “gostam muito” de Cabo Verde.

“Aliás, acho que elas gostam tanto de Cabo Verde quanto gosto do Brasil”, enfatizou.

A vida de Aníbal Oliveira teve ainda uma incursão pela diplomacia, ao longo de 14 anos, quando, a partir de 1987, o Governo de Cabo Verde indicou-o para cônsul honorário no Rio de Janeiro.

Detém ainda o título de Cidadão Honorífico do Rio de Janeiro, a maior condecoração que a cidade do Rio de Janeiro pode oferecer a uma entidade.

“Acho que devo ter feito alguma coisa que prestasse, pois a cidade que me acolheu viu algum mérito no trabalho e tenho muito orgulho em ter recebido a Medalha de Pedro Ernesto na cidade que me adoptou e que eu também adoptei como a minha cidade, porque gosto muito do Rio”, declarou.

Sobre a ligação com Cabo Verde, disse que no início teve que esperar dez anos para regressar e que teria entrado em parafuso se não fizesse aquela viagem, tantas eram as saudadas, ainda por cima sem condições financeiras para ir a Cabo Verde.

“Ninguém emigra por vontade própria, trata-se de um processo violento porque você deixa a tua família, pais, irmãos, amigos e ambiente para trás e vai para o desconhecido”, declarou.

“Não me esqueço que no dia em que saí de Santo Antão para emigrar, em cima de um camião cheio de bananas com a minha malinha, quando saía de Chã de Pedras olhei bem para trás, perguntando a mim mesmo se um dia teria oportunidade de regressar ao meu berço”, contou, com voz embargada.

Depois passou a ir a Cabo Verde uma vez por ano, mas houve uma época em que ia quatro vezes num ano, em função do trabalho, mas hoje vai ao país duas/uma vez ao ano.

Aníbal Oliveira diz já não ter a ilusão de regressar a Cabo Verde para viver, mas que vai sempre que puder, aliás diz sentir essa necessidade, até porque a família “adora Cabo Verde”.

“Mas possibilidade de viver lá definitivamente é muito remota”, lançou Oliveira, que acompanha o pulsar de Cabo Verde, através dos jornais e outros meios e que diz não ter dúvidas: “Eu que saí de lá em 1963 posso dizer que Cabo Verde já conheceu progressos fantásticos com as nossas limitações e, por isso, tenho muito orgulho de ser cabo-verdiano, pois dificilmente outro povo teria conseguido o que nos conseguimos fazer com o que tínhamos disponível”, concluiu.

AA/JMV

Inforpress/Fim

Facebook
Twitter
  • Galeria de Fotos