Mindelo, 25 Nov (Inforpress) – O presidente da Assembleia Nacional, Jorge Santos, foi hoje “obrigado” a reverter a sua decisão de “cassar o mandato” do deputado António Monteiro, após ter-lhe cortado a palavra com a justificação de que “é vereador em São Vicente”.
O imbróglio começou quando o deputado e líder da União Cabo-verdiana Independente e Democrática (UCID, oposição) pediu a palavra para intervir no debate sobre “Políticas de família e de inclusão social e produtiva”, que acontece, com o primeiro-ministro, a pedido do grupo parlamentar do Movimento para a Democracia (MpD, poder).
Ao solicitar a palavra, Jorge Santos informou a António Monteiro de que o seu mandato “está suspenso”.
Reagindo, o líder da UCID questionou “a razão da suspensão do seu mandato” e o presidente da Assembleia Nacional respondeu que António Monteiro “tomou posse como vereador da Câmara Municipal de São Vicente”.
Por sua vez, António Monteiro disse que estava “em pleno exercício dos seus direitos enquanto deputado” pelo que, o presidente da Assembleia Nacional “não poderá suspendê-lo pela sua vontade”.
Esta situação motivou uma interpelação à mesa pelo deputado do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição) Rui Semedo, para quem o que se assistiu na Assembleia Nacional “não pode acontecer”, porque, referiu, “num Estado de direito democrático há instituições com poderes para decidir sobre o mandato dos deputados”.
“A mesa não tem essa competência e aqui a única instituição que poderá ter a competência de suspender o mandato é a plenária, mas, mediante determinados pressupostos. Já tivemos casos de deputados a exercer o mandato inteiro, acumulando com a função de vereadores, e neste caso, sequer o mandato está definido”, explicou Rui Semedo.
O mesmo pediu ao presidente da Assembleia Nacional para “mostrar na lei o que é que a posse tem a ver com a suspensão de mandato de deputados”.
Segundo Rui Semedo, o presidente da Câmara Municipal de São Vicente “irá propor mandatos a serem exercidos a tempo inteiro, os titulares poderão aceitar ou não e é a partir daí que as coisas poderão ficar mais claros e definidas”.
Mas, lembrou, suportado na lei que, até este momento, enquanto não se definir quem irá exercer a tempo inteiro e quem não irá exercer a tempo inteiro, “ninguém tem competência para suspender o mandato de deputado”.
Por isso, pediu à mesa para “reconsiderar a sua posição e permitir a palavra” ao deputado António Monteiro.
Da parte da bancada do grupo parlamentar do MpD, a líder Joana Rosa disse não entender o por quê de o líder parlamentar do PAICV defender a UCID.
“Não estamos a entender. Primeiro, porque a UCID tem deputados pode perfeitamente defender-se. Eu acho que a UCID não precisaria do líder do PAICV para lhe defender”, reagiu Joana Rosa, contrariando a opinião de Rui Semedo “de que o mandato inicia-se com a distribuição dos pelouros”.
“O mandato inicia-se com a investidura. Foi investido no cargo de vereador”, argumentou a líder do grupo parlamentar do MpD, para quem António Monteiro deve “optar se fica como vereador em São Vicente” ou se “vai para o parlamento como deputado” e “não ficar na promiscuidade”.
Para Joana Rosa esta situação “não é permitida pelo Estatuto dos Deputados”, porque “há incompatibilidade”, pelo que “um deputado do MpD no Sal pediu a suspensão de mandato das suas funções para ficar como vereador”.
Apesar disso, Jorge Santos alegou que “o plenário é soberano” e deu continuidade ao debate.
O líder parlamentar do PAICV, Rui Semedo, voltou à carga e disse que estava a defender a aplicação da lei. Sustentou que o artigo 24º do Estatuto dos Deputados indica que são incompatíveis com o cargo de deputado o exercício de funções de presidente de câmara municipal e de vereadores a tempo inteiro”.
“Os vereadores passam a tempo inteiro só a partir da decisão da profissionalização da Assembleia Municipal e só isso acontece se o vereador estiver interessado em profissionalizar-se”, alegou Rui Semedo, pedindo que se revertesse a decisão, caso contrário a Assembleia Nacional estaria a “andar muito mal, decidindo cassar mandato a um deputado de forma ilegal, e estaria a violar a lei, a Constituição e o Estatuto dos Deputados e o regimento”.
Depois de alguma discussão, o presidente da Assembleia Nacional reverteu a sua decisão e readmitiu o deputado no debate.
Jorge Santos disse que teve a informação de que, de acordo com a lei, é incompatível com o cargo de deputado nacional os presidentes de câmaras municipais e os vereadores a tempo inteiro” e que António Monteiro “não tomou posse a tempo inteiro como vereador”.
Ao usar da palavra, António Monteiro revelou que e estava com um “misto de raiva e alguma felicidade”.
A raiva, justificou, porque “não entendeu como é possível que, num parlamento cabo-verdiano, um presidente da Assembleia Nacional tome a medida de suspender o seu mandato”.
“Eu estou na política desde 1992, altura em que entrei para UCID, fui eleito vereador, pela primeira vez, em 2004 e em 2006 fui eleito deputado nacional, também pela primeira vez. Em 2008 fui outra vez para as eleições autárquicas e assumiu vereador a meio tempo e deputado nacional até 2011”, recordou o deputado da UCID, acrescentando que “não é ingénuo e tem noção clara daquilo que diz a lei”
“Ao ser maltratado da forma como fui por vossa excelência, não posso e não podia ter um outro sentimento que não fosse raiva”, declarou António Monteiro, referindo que “ficou com mais raiva” ao ouvir um ministro a apoiar à decisão do presidente da Assembleia Nacional.
Em jeito de remate, António Monteiro afirmou que “não é um pedaço de iceberg nem de diamante”, mas é um “ser humano que respeita a lei e luta para que Cabo Verde seja um país democrático”. Mas, sustentou que a situação que aconteceu Assembleia Nacional “mostrou que em Cabo Verde o revanchismo político tem lugar”.
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