Fogo: “Proposta para asfaltagem é a machadada final para que São Filipe nunca mais venha a ser património mundial” – Fausto do Rosário (c/áudio)

São Filipe, 10 Fev (Inforpress) – A decisão do Instituto do Património Cultural (IPC) e da câmara municipal de asfaltar grande parte da cidade vai ser a machadada final para que São Filipe nunca mais venha a ser património mundial.

A posição foi assumida pelo professor e agente cultural Fausto Rosário, uma das vozes que se opõe à decisão de asfaltagem de toda a zona tampão do núcleo histórico da cidade de São Filipe, uma proposta da autarquia e validada, na última semana, pelo IPC.

Segundo o mesmo, a proposta é pacífica porque foi decidida de forma isolada pelo IPC e pela câmara, que “cozinharam uma solução que acaba por assassinar, de vez, São Filipe”, porque a mesma não respeita a unidade cronológica da cidade.

“O núcleo histórico não se defina, apenas, por estar acima ou abaixo do Alto de São Pedro”, disse, lembrando que a cidade cresceu, primeiro, na transversal acompanhando a linha da falésia até Achada Pato Moniz, e, depois, no sentido oeste, em direcção à Serra, à medida que as necessidades foram sentidas.

Para Fausto Rosário, “é um erro grave” dizer que todo o núcleo do hospital, que engloba “elementos importantíssimos” na história da cidade, como a escola central, o próprio hospital, a pousada, hoje tribunal da comarca, bem como a maternidade, foram construídos a partir da segunda metade do século passado”.

“São Filipe aquando da sua elevação à categoria de cidade, em 1922, estaria um pouco à frente de tal estatuto e os esforços da edilidade nas décadas seguintes foi justificar este estatuto, criando equipamentos sociais de grande valor e que deram perfil único à cidade”, advogou Rosário, que entende que tudo que reflicta este esforço e esta construção deve ser preservado na sua forma original.

A mesma fonte defende que asfaltar a avenida Amílcar Cabral com elementos decorativos é transformar este espaço “num carnaval” porque “descontextualiza toda a parte histórica”, lembrando que não se fala apenas dos elementos decorativos, mas de elementos e de materiais da época.

São Filipe, continuou, “é o maior palco daquele que foi um dos maiores traumas sociais de Cabo Verde tão bem descrita na obra romanesca de Teixeira de Sousa”, e não respeitar esta obra e este palco da cidade, que pode e deve aspirar a ser património mundial, “é uma machadada, não só para os sanfilipenses como para os foguenses e aos cabo-verdianos, no geral”, desafiando o professor Luís Pires, que encenou obras do escritor, a se pronunciar sobre esta proposta.

No dizer de Fausto do Rosário, a decisão é pacífica porque foi tomada não à revelia, mas longe e sem auscultar outras pessoas que podiam contribuir, como o engenheiro civil João Miguel Souto Amado Alves ou o arquitecto Cláudio Barbosa, que “não são a favor da asfaltagem” da avenida.

Com relação a rua pedonal, Fausto do Rosário indicou que “estranhamente vai-se considerar uma pedonal no centro, no coração da cidade”, quando há uma pedonal natural na cidade composta pela praça do Presídio, a parte inferior da mesma e toda a parte que desce até junto da praça das Bandeiras, cujo arranjo estético permite rapidamente definir a zona como pedonal, sem prejuízo da circulação de pessoas e de viaturas.

Além disso, defendeu que esta área tem a vantagem de se estar praticamente junto ao mar e poder beneficiar de uma paisagem extraordinária, de brisa marítima e da própria calma que a parte histórica confere, contando com a praça de Presídio, as pracetas Pedro Cardoso e das Bandeiras, museus, igreja, a rua à frente da Casa das Bandeiras que está interditada ao trânsito, sublinhando que “melhor pedonal não poderia haver em São Filipe”.

Asfaltar a rua dos TACV e a que desça até o sobrado de Djica Barbosa, segundo Fausto do Rosário, até que se percebe, mas não se compreende que seja até junto da praça João Paes, pois, segundo o mesmo, “é entrar e invadir o centro histórico que está delimitado pela parte que desce do Alto São Pedro” e a proposta não respeita esta delimitação.

A proposta deve ser socializada ainda no decorrer do mês de Fevereiro, mas Fausto Rosário deixa claro que não irá participar porque “não irá dar em nada e o IPC não ouve ninguém no Fogo”.

“Não participo em nenhuma sessão para comer um prato pelo qual não pude confeccionar, não voto de cruz e se não for dado o direito de participar na tomada de decisão também rejeito que qualquer iluminado me venha a dizer que está feito e agora bato as palmas”, disse Rosário, indicando que se já está tomada a decisão a sessão é apenas para constar e por isso não vai funcionar de figurante e encher o espaço.

JR/AA

Inforpress/Fim

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